Raramente este espaço é utilizado para expor opinião sobre conjuntura nacional. Contudo, três acontecimentos (indicação de que a taxa referencial de juros utilizada pelo Banco Central cairá mais rapidamente, mudança veloz do patamar do dólar de R$ 1,80 para mais de R$ 2,00 e aumento da expectativa de inflação) aparentemente não conexos, mas intrinsecamente interligados, de fato, incitaram-me a escrever algo sobre esse tema nesta manhã de domingo.

Em verdade, nas últimas três semanas, no meu bate-papo semanal com Manoel Miranda, nas quintas-feiras, por volta das 11h, na CBN/Maceió, 104.5 FM, opiniões sobre isso já vêm sendo emitidas, mas imagino que o aludido tema deve continuar dominando o noticiário econômico nas próximas semanas e talvez até mesmo nos próximos meses. Vamos, então, tentar entender o que vem ocorrendo, em uma análise de curto prazo.

Em meados do ano passado, mesmo com uma economia muito aquecida, abriu-se uma janela de oportunidades para que as taxas de juros domésticas caíssem, uma vez que o aprofundamento da crise européia gerou desinflação no mercado mundial, em decorrência do excesso de oferta de bens manufaturados. Essa desinflação era absorvida no mercado doméstico, em virtude do real valorizado. De fato, com o real valorizado e a queda nos preços dos bens manufaturados no mercado internacional, havia facilidade de importar tais bens e dificuldade de a indústria local repassar para o preço a elevação de seus custos – muito pressionados pelo fato de o mercado de trabalho local encontrar-se aquecido.

Assim, a despeito das altas expectativas de inflação, ao enxergar esse cenário, o Banco Central iniciou o ciclo de queda na taxa de juros, em agosto do ano passado. Na época, houve até quem imaginasse e dissesse que a autoridade monetária estava sofrendo interferência política, mas o tempo mostrou que a decisão do Banco Central foi técnica e correta naquele momento. Desde então, a taxa referencial de juros vem caindo, chegando aos 9% ao ano, indicando-se, com a alteração na remuneração da poupança, que continuará a cair.

Até aí, tudo bem! O problema é que, como já dito, esse cenário de queda na taxa de juros só foi possível em virtude do cenário externo e do câmbio valorizado. Mas, como sabemos - por meio de conhecimento contido em qualquer manual de macroeconomia de graduação-, a taxa de câmbio (valor do real em relação ao dólar) responde a novidades que afetam tanto o diferencial entre taxas de juros domésticas e externas quanto o risco-país.

Nas últimas semanas, essas novidades têm contribuído para a desvalorização do real. De um lado, o diferencial dos juros domésticos em relação aos externos vem caindo, o que contribui para uma saída de dólares, com consequente desvalorização do real. De outro, as recentes eleições de presidentes europeus menos favoráveis à austeridade fiscal conjuntamente com a recuperação gradual da economia americana vêm contribuindo para uma retirada de aplicações dos investidores estrangeiros em moedas de mercados emergentes (inclusive do Brasil). Esses investidores têm migrado para o dólar, o que contribui para o aumento do risco-país brasileiro, com conseqüentes desvalorizações do real.

Em geral, há de se destacar que, no curto prazo, a continuação do aumento da procura pelo dólar (e consequente desvalorização do real) dependerá fortemente de como se delineará as situações fiscais (em termos de endividamento) dos países europeus. Porém, há de se mencionar que a desvalorização do real – que parece inevitável, em virtude da obsessão do governo brasileiro por um rápido declínio na taxa de juros - facilitará o repasse dos custos industriais para o preço, implicando maior inflação (em termos de bens manufaturados) e elevação da expectativa de inflação nos próximos meses.

Assim, teremos não apenas uma alta inflação de serviços (que já é cerca de 9% ao ano) como também uma alta inflação de manufaturados, o que significa um maior índice de IPCA, por exemplo. Devendo-se destacar que, quanto maior é a expectativa de inflação, maior é o custo da desinflação, ou seja, maior deverá ser a taxa de juros para que a inflação retorne a um baixo patamar.

Apesar de o cenário ser sombrio no curto prazo, ele é administrável, principalmente se o Banco Central se tornar mais parcimonioso em suas ações e/ou o cenário externo fiscal se resolver menos vagarosamente. Por sua vez, no médio e longo prazo, é preciso que a presidenta compreenda que políticas de expansão de consumo (expansão de crédito, aumento real de salários, dentre outras) só criam oferta enquanto há ociosidade nos fatores de produção (mão-de-obra, equipamentos etc.). Nos últimos meses, há pleno emprego de tais fatores na economia. Logo, insistir em tais políticas implica necessariamente aumento de preços, que é a única forma de a oferta reagir em tais condições.

Faz-se, pois, necessário voltar a agenda de reformas, tais como: simplificação tributária, melhoria do marco regulatório, diminuição do custo do capital, melhoria das relações de trabalho, etc. Isso, sim, contribui para o aumento do produto potencial (aumento da oferta e da produtividade dos fatores de produção) e conseqüente efetividade das aludidas políticas de demanda. A propósito, a última grande reforma foi a regulamentação do novo fundo de previdência dos servidores públicos, o FUNPRESP, que nada mais foi que regulamentar uma reforma ocorrida em fins de 2003 e limiar de 2004.

Enfim, independente de não haver fôlego para reformas, já que desde o começo do governo Dilma só se fala em queda de Ministro e em CPI, espera-se que o governo consiga controlar a inflação, afinal de contas isso foi, sem dúvida, a maior conquista da sociedade brasileira após a redemocratização.