Pode-se dizer que é a complementariedade da mentira, que só existe porque existe a verdade? Não sei.

Digamos que a mentira é a verdade do mentiroso. Pode? Então a verdade é pessoal e intransferível, e cada um de nós tem a sua própria verdade – que pode ser mentira.

E o que importaria se os outros acham que é mentira se para cada um de nós a nossa verdade é a verdadeira verdade?

Nada importaria.

Deixando a profundidade de lado vamos aos fatos:

A Comissão da Verdade criada pela presidente Dilma para apurar a violência política de 1946 até 1984, na verdade, quer apurar mesmo os delitos praticados pelos militares a partir de 1964.

Troque-se pois, a bem da verdade, a milhar 1946, que contém os mesmos numerais de 1964. Não é verdade?

Talvez a verdade esteja na Matemática e somente só porque os números não mentem jamais, não é verdade?

É não. Os números, além de poderem ser manipulados pelos mentirosos, contêm enigmas que, ainda que verdadeiros, podem iludir o incauto.

Finalmente, onde está a verdade?

O trabalho da Comissão da Verdade vai exigir esforço hercúleo para manter o equilíbrio entre a verdade e a mentira, e isso pode parecer paradoxo, mas faz parte da verdade que se busca.

As vítimas que tombaram na luta contra o governo militar se destinam à eternidade como nódoa de um passado que teima em não querer passar, enquanto, para os militares envolvidos, tudo deve ser esquecido.

É assim sempre, desde Canudos, cuja cidade histórica submergiu no açude de Cocorobó porque testemunhava a história do massacre de fanáticos famintos pelo exército.

De vez em quando, a cidade submersa emerge com a seca, mas no máximo vem à tona a torre da igreja que Antônio Conselheiro construiu. A cidade atual de Canudos nada tem a ver com o arraial de verdade, que as águas do Cocorobó não conseguirá jamais desmentir.

Mas, e a apuração dos crimes recentes pós-golpe de 1964? Como fica? Até onde a Comissão da Verdade pode ir?

Se não há limites a obedecer, então a Comissão é de verdade. Se há limites, então a nação não vai ficar sabendo com quem está a verdade.

Ou melhor: se a verdade existe assim mesmo como se vai apresentar.

Falem a verdade: estão prontos para dar uma bicuda na ferida e reabri-la?