Ouvi com tristeza o voto de Ricardo Lewandowski sobre cotas raciais. Foi o voto do relator que levou o elogio de todos os ministros do STF e decretou a constitucionalidades de leis raciais no Brasil. É a negação da igualdade e a legitimação da segregação racial.

Não vou aqui repetir os meus vários argumentos contra o racialismo e de como essas teorias estão invariavelmente ligadas, hoje em dia, ao discurso comunitarista. Esse julgamento no STF comprovou a minha tese. Nesse texto, quero destacar duas coisas importantes que percebi na leitura do voto do relator.

Falta de fundamentação e superficialidade dos argumentos

A primeira diz respeito à completa falta de fundamentação baseada no texto da Constituição. É que nossa CF até traz alguns exemplos de direitos especiais baseados na isonomia, como direitos específicos para mulheres, por exemplo. Traz ainda vários preceitos sobre a inclusão social. Porém, em nenhum lugar da CF há qualquer referência positiva à raça. Aliás, onde a raça está presente, ela é proibida como critério de discriminação. No artigo. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Apesar de não haver na nossa Constituição qualquer critério de discriminação racial, Ricardo Lewandowski preferiu citar teóricos comunitaristas e decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos. Citou Fraser, Honneth, Bauman, Habermas... Tudo de forma descontextualizada, claro. Mas nada de citar o artigo 3º da CF.

Sobre citação descontextualizada, indico o livro de Habermas, citado no voto, “A inclusão do outro”, que até leva os comunitaristas a sério mas, em última análise, não abdica dos direitos liberais mais básicos. Ademais, quando fala das políticas de inclusão baseadas no gênero, Habermas faz uma ressalva importante, afirmando que as compensações do direito do trabalho, por exemplo, levaram a novos tipos de discriminação (perda de emprego pela gravidez, preferência na contratação de homens, etc.) Sem falar que citar Habermas num procedimento argumentativo extremamente limitado como é um julgamento no STF soa até ridículo.

Essa falta de fundamentação no texto da CF e a citação descontextualizada desses autores mostra o baixo nível intelectual presente na argumentação do voto do relator. Pouca leitura foi necessária para proferir um voto tão cheio de inverdades que, mais que considerar as leis raciais constitucionais, praticamente as tornou uma decorrência do texto constitucional.

No fim das contas, o que vale é o seguinte. Pessoas podem ser classificadas segundo critérios raciais no Brasil. Desde que seja por um prazo determinado.

Outro momento importante do julgamento foi a intervenção de Joaquim Barbosa. Fazendo sempre intervenções mentirosas ou falaciosas, disse que havia um consenso sobre cotas raciais. Consenso? Onde? No STF talvez... Barbosa destacou então o "caráter marginal daqueles que se opõem a essas políticas (de cotas)". Parabéns, Ministro! Quanta tolerância! Quem é contra as cotas é “marginal” (não no sentido de criminoso, claro. Mas está à margem...)

Só para vocês terem um exemplo da superficialidade do voto, ficaram os dois, Barbosa e Lewandowski, debatendo a razão pela qual teria crescido o percentual de pretos e pardos no mais recente censo do IBGE. Não sabem eles que, agora, é necessário escolher entre categorias expressas e previamente determinadas. Pretos, pardos, amarelos... Ou seja, não se pode escolher a cor, ou, como querem, a raça. Sendo assim, a tendência em aumentar o número de pardos é enorme!

Isso serve a um propósito determinado, como já disse tantas vezes aqui no blogue. Esquecimento dos mestiços! Segundo os critérios do IBGE, pardos e pretos devem ser considerados todos negros. Esse é o critério da UNB, exatamente o procedimento que estava sendo questionado na ação que foi decidida no STF. Lá na UNB, para ter direito às cotas raciais, o pardo deve se declarar negro. Isso mesmo. Não basta se dizer pardo. Deve se declarar NEGRO.

Aqui na UFAL, por exemplo, o critério racial é “aferido” pela autodeclaração. Quem acha que é preto ou pardo diz que é e pronto.

Tribunais raciais

Essa questão remete ao outro ponto do julgamento que quero comentar. De todas as minhas objeções contra leis raciais (já presentes no arquivo do blogue), essa é a mais importante.

Na UNB, diferentemente da UFAL, o critério para ser considerado negro não é só a autodeclaração. Se houver dúvidas sobre a verdadeira raça, uma comissão deve entrevistar o candidato e decretar oficialmente qual é a sua raça. Esse procedimento, aliás, é amplamente contrário aos interesses dos pardos, já que esses são mais “claros” e, portanto, nem sempre se enquadram nos critérios.

Nesse ponto tão importante do caso, o relator usou menos de um parágrafo para justificar a constitucionalidade desses absurdos comitês raciais. Ao comentar a questão de como aferir a raça de um indivíduo, o ministro falou com naturalidade em comitês para verificar a classificação. Mencionou a possibilidade de verificação por fotos e destacou que o julgamento deve ser feito por fenótipo e não por ancestralidade. Enquanto isso, Hitler se alegrava no inferno!

Para comentar esse absurdo, dou o link de uma reportagem interessante. Lembram do caso dos irmãos gêmeos idênticos que foram considerados de raças diferentes? Foi na UNB! Relembre clicando aqui.

É isso, amigos, o racialismo venceu no STF. Todavia, destaco uma coisa importante: leis raciais podem até ser constitucionais, mas não são obrigatórias. Na política, ainda há espaço para a luta contra cotas e outras leis raciais. Vamos em frente.