Recatada, respeitada e respeitosa, pudica, honesta, de bem, uma santa. Acima de qualquer suspeita. Esta era a Olivia.
Frequentadora assídua e pontual do culto de segunda, quarta e domingo, não perdia pregação, só usava saia quase burca, era uma mulher de inquestionável fidelidade.
Joca, o marido da padaria, era confiança total na esposa. “Olivinha” nunca, jamais, em hipótese alguma seria capaz de um gesto sequer de traição. Nem em sonho! Se falassem era coisa de maldita futrica, própria da gentalha sem santidade no coração.
Apreciador de cinema, o marido era consumidor voraz de DVD. Assistia de tudo, preferencialmente os bíblicos, e sempre emocionava-se, ou era pura revolta com as narrativas.
“Olivinha”, ao seu lado, já conhecia várias cinematografias, já que ousavam conhecer um pouco mais que histórias de religião.
Mas o tédio entre o casal imperava.
Todo dia 15 do mês a mulher deixava sua cidade e se destinava à capital. O motivo, tratar da renite alérgica com medicina especializada e inexistente naquela paragem bucólica do agreste. Passava um dia só, dormia na casa de parente para evitar estrada no finzinho de tarde e comecinho de noite, sempre traiçoeira e por vezes mortal.
Pegava a van lotação toda sisuda, toda cheia de moral. Bonita não era, mas feia não havia de ser. Para uns mais letrados era exótica. Para os mais atentos às carnes por debaixo da saia e do saiote era quartuda.
E quando o cabelão de penitente sempre amarrado era desfeito e o grosso tecido que encobria as coxas dava lugar à minissaia, aliado à “maquilagem” das mais provocantes comprada em revista Hermes, a transformação era total.
E na capital das Alagoas, terra de sol, de mar e de tentação, era só descer da van que o consultório do otorrinolaringologista verdadeiro se revelava ser, em lascívia e em fornicação, uma casa de “massagem” das mais discretas para os transeuntes, mas das mais ousadas para os frequentadores, lá numa das transversais da Fernandes Lima, em casarão todo fechado e acima de qualquer desconfiança de safadeza e sordidez.
Passava o dia no “atendimento”. Voltava para sua cidadezinha feliz, leve, livre da danada da “renite” até o próximo mês.
Na padaria, Joca era todo amor e todo confiança. Recados desconexos já haviam chegado, mas ele preferia não levar em consideração. Deveria de ser fofocagem de gente sem serviço e invejosa.
Uma vez, o prefeito, chegado a uma “massagenzinha”, visitou a casa e reconheceu a conterrânea. Fingiu que nada viu em respeito ao padeiro amigo de infância, mas na volta, transtornado, tratou de dizer a ele que “iria implantar urgentemente otorrino no município e que o padeiro deveria não mais deixar a mulher se ‘consultar’ com doutor distante e desconhecido”.
Outra vez, o “doto” Simplício, “adêvogado” da cidade e conhecedor de todos os inferninhos da capital, deparou-se com a “Olivinha” no casarão. Contratou o serviço da conterrânea e, de retorno na cidadezinha, entre a compra de pães Crioulos e Roberto Carlos, perguntou se a “dona Olívia tinha irmã gêmea em Maceió”.
Tal como a Belle de Jour do livro e imortalizada no filme de Buñuel, era na casa que a mulher dava vazão a seus segredos e seus desejos mais recônditos e mais picantes, em aventuras como “massagista” de homens de todo o tipo e de toda a espécie.
Aliás, em sua compulsão por filmes, La Belle de Jour já tinha sido alvo de projeção caseira na casa do comerciante, pouco tempo antes de começarem as crises de renite da esposa.
Assistiram juntos à película. Ele horrorizado, ela imaginativa.
Começava ali uma história de cinema.