Na infância era tímido, mas tinha uma brincadeira infantil que o tornava especial: Polícia e Ladrão. Ele sempre gostava de estar do lado dos mocinhos. Não tinha plano infalível da “bandidagem mirim” que ele não revelasse. Era invencível. Da literatura, ainda quando criança, não desconfiava nem de longe quem era Monteiro Lobato, mas  Agatha Christie e Arthur Ignatius Conan Doyle conhecia toda a obra e recontava as estórias de trás para frente. Era vidrado em literatura policial. Estudava a mente criminosa como ninguém.

Cresceu no bairro com exemplos variados de sem vergonhice e malvadeza. De ladrão de galinha ao traficante ligado ao PCC e político safado que aparecia por lá toda vez que se avizinhava uma eleição com promessas mentirosas, ele estudava. Traçava o perfil do criminoso com perfeição e detalhamento de corar agente da inteligência da Interpol. Seu maior sonho: ser policial, por óbvio. Sua maior frustração: era péssimo no relacionamento com o sexo oposto. Não que ele não apreciasse, longe disso. Já se apaixonara várias vezes, mas nenhuma delas havia correspondido.

Seu nome de batismo: Inácio Cruzoé Benjamin Constant. Uma mistura de homenagens do pai Adolfo que, embriagado, lembrou-se de seus maiores heróis, com a exceção de Inácio que ele colocou por descuido mesmo, mas que anos mais tarde seu pai haveria de explicar que era uma homenagem ao Presidente Lula. Seu apelido: SHERLOCK! Odiava que lhe chamassem pelo nome de batismo. “Inacinho” então, era briga na certa. Assinava as provas na escola  como SHERLOCK, só respondia a chamada quando os professores lhe chamavam de SHERLOCK, para as garotas só se apresentava como SHERLOCK  e as encantava com as estórias que havia decorado do escritor de preferência, mas ainda não havia conseguido penetrar no coração de nenhuma delas. A frustração permanecia com o passar dos anos.

A timidez da infância dera lugar aos arroubos juvenis e à coragem de investigar paralelamente tudo quanto é crime. Era fã de programas policiais, dos mais sanguinários aos mais sérios. Afinal, combater a bandidagem era um dom que ele achava possuir. Conquistar o coração das meninas um defeito sério. Já tinha procurado ajuda até do pai de Santo do bairro, mas nada adiantava. Feio não era. Era sem empatia mesmo quando o assunto era mulher.

Achava que o problema era seu nome. Inácio. Inacinho. Não representava sua inteligência e destemor e assim que pode tratou de, na justiça, mudá-lo para SHERLOCK. Mas o azar com as mulheres continuou. Todos os seus amigos tinham aventuras amorosas para recontar, e ele, somente aventuras policiais, todas elas retiradas dos livros que lia com devoção.

Até que lhe disseram que a farda militar causava verdadeiro furor nas mulheres. Pronto! Seria a união do dom com a fantasia sexual para o sexo oposto. Seria policial, mas policial de fardamento e tudo. E o primeiro concurso para aspirante da Polícia Militar do Estado de Alagoas foi aprovado em primeiro lugar. Enfim a bandidagem de verdade agora conheceria um expert no combate ao crime e a mulherada cairia aos seus pés ao vê-lo trajando o “uniforme da perdição”.

Logo virou o tenente SHERLOCK. E não tinha missão que ele não cumprisse com zelo e competência. Levantou a vida dos traficantes da região, deu voz de prisão a maloqueiro ladrão, prendeu assassinos de encomenda, algemou o deputado Alcebíades dentro da Assembleia Legislativa do Estado, enfim virou o herói que sempre sonhou ser. Mas algo estranho acontecia. Nenhuma namorada. Nada! Até tentava contar vantagens aos amigos, que acabaram desconfiando da sexualidade do tenente que não era visto em público ou reservadamente com nenhuma mulher. A virgindade do tenente passou ser alvo da pilhéria da tropa. Era herói e tudo mais, mas...

Até que um dia recebeu um chamado estranho. Uma ocorrência policial dava conta de que um homem havia entrado na casa de outro que aos berros pelo telefone urrava: “Socorro, um homem invadiu a minha casa, ele é perigoso, ele está com a minha mulher e...” A fala era interrompida por um soluçar e um choro agudo de dor e sofrimento. Ao final um pedido “ Só o tenente SHERLOCK, por favor o tenente SHERLOCK, chamem o tenente SHERLOCK...” O telefonema foi encerrada com um berro de aflição.

Imediatamente o tenente SHERLOCK é acionado. Duas radiopatrulhas fizeram o cerco da casa de onde havia sido localizada a chamada. Tenente SHERLOCK saiu do carro com arma em punho e vê um homem desolado, cabeça baixa e chorando na calçada da  casa onde estaria acontecendo o crime. De imediato pergunta: “Cadê o homem?” E a voz chorosa responde em soçobros: “Tá lá dentro, com a minha mulher...” Com a perspicácia peculiar o tenente SHERLOCK percebe que não havia nenhum sinal de arrombamento e indaga do homem quais as armas que o bandido possuiria e como ele havia entrado na casa, se tinha ouvido tiros etc. E ele responde; “O safado tem  armas da simpatia, do encantamento e da beleza. Entrou na minha casa para roubar aquilo que eu mais aprecio, Dorinha, minha amada e doce mulher” e ouve o suplício de um marido traído: “Por favor, tenente, tira ele de lá, ele está roubando a minha mulher...”O tenente sem saber o que fazer  já ia virando as costas depois do esporro bem dado no corno que acionara a mais alta cúpula da polícia por um caso de pura safadeza e cornagem. Era demais! Mas titubeou ao ouvir a súplica. “E se fosse com o senhor?” Sem ouvir mais nada, o tenente SHERLOCK entra em missão, invade a casa de arma em punho, vê a cena de uma mulher infernalmente encantadora, seminua, cabelos molhados, beijando ardentemente o “ladrão”. SHERLOCK bota o salafrário para correr e devolve a amada Dorinha para o marido que em prantos agradece o atendimento. Dorinha antes de se explicar ao marido, abraça o valente tenente SHERLOCk, beijando-o perto da orelha e sussurrando um muito obrigado tentador.

Dizem as más línguas que uma vez por semana, o tenente SHERLOCK comparece à casa de Dorinha para checar se realmente o bandido não teria mais voltado a se apossar do alheio, e ela, que sempre foi tarada em uma farda teria resolvido uma antiga pendência do tenente com as mulheres. O corno, quando vê o carro da polícia estacionado em frente a sua casa, agradece estar livre do ladrão de corações para sempre. Tenente SHERLOCK agora era um herói completo.