A queda de Demóstenes Torres, flagrado em relações promíscuas com o contraventor Carlinhos Cachoeira trouxe de volta os valores do mensalão. Não estou falando da ofensiva dos “blogueiros progressistas”, financiados com dinheiro público (seu dinheiro, leitor), que agora adotam a tese mais estapafúrdia desde o escândalo do governo Lula. A tese é a seguinte: se Demóstenes é corrupto, o mensalão não existiu, teria sido armado por ele e Cachoeira. Está sentindo falta do liame lógico que fundamentaria a inferência? Eu também. Mas isso não intimida os “progressistas”. Adiante.

Na época do mensalão, vivemos um período de transição importante, que desqualificou ainda mais nossa política. Se, antes de Lula, o máximo da cara-de-pau política era negar tudo ao estilo malufista, depois do mensalão o PT inventou a desculpa ideológica para o crime. O argumento era que a governabilidade só seria possível com a tolerância a essas práticas. Sendo assim, ao chegar ao poder, o PT perdeu a inocência, e passou a lutar com as armas dos seus inimigos. Só a que corrupção do PT é virtuosa! Ela é feita para o bem do povo e o combate às forças neoliberais!

É assim que, até hoje, vemos a reação do PT às acusações de corrupção que a todo momento atingem o governo. Dilma abandonou a faxina que nunca houve, e o que prevalece é o sentimento de que, sendo todos bandidos, esse não deve ser um tema político relevante. Estão de volta à política quase todos os mensaleiros e nenhum foi expulso do PT. Esqueçamos a corrupção e vamos fazer o Brasil crescer. Afinal, a Copa vem aí!

O corolário do discurso do PT no mensalão é a reação de muitos ao que aconteceu com Demóstenes: “tá vendo, quanto mais moralista, mas safado”. Disso podemos inferir que cobrar moralidade é uma coisa ruim e que atrapalha o Brasil. É coisa de golpistas e falsos moralistas.

Ora, meus amigos! O problema de Demóstenes Torres não era cobrar moralidade! Seu problema era não agir segundo o que ele próprio defendia. Chamar o discurso contra a corrupção de “udenismo” ou de “moralismo” é coisa de gente que quer justificar a imoralidade na política ou mesmo naturalizar essas práticas. Eu não entro nessa. Acaso a queda de Demóstenes se deu por combater a corrupção? Por acaso foi errado ele ter fustigado os corruptos e tomado parte numa disputa ideológica? A resposta é não.

Espero que todos os envolvidos com isso tenham o mesmo destino político de Demóstenes. O caso Cachoeira parece envolver não só políticos graúdos da oposição, mas também do governo e até do PT, como é o caso de Agnelo Queiroz. Por isso mesmo, não veremos o governo empenhado numa CPI do Cachoeira.

Mas o que importa é o seguinte. A decepção com Demóstenes não pode fazer morrer o discurso corajoso contra a imoralidade na política. Não podemos ser inocentes e achar que a política no Brasil é um ambiente de preocupação com a moralidade e o bem comum. Mas isso não pode nos deter. As pessoas de bem que trabalham e fazem suas atividades sem roubar ou enganar ninguém, que pagam seus impostos e fazem esse país crescer, precisam manter a vigilância.

Sabe o que é irônico? A atuação de Demóstenes (dito de “direita) como menino de recados de Cachoeira só é possível nesse Estado inchado que os petistas (ditos de “esquerda”) tanto gostam. São tantos órgãos, licitações, registros, lobbies... Quem sabe se, com menos Estado, evitaríamos novos Demóstenes?