Com a determinação pelo presidente do Senado para a composição de uma comissão de juristas e a confeccção de uma nova concepção do código penal, o debate está aberto. Opiniões de todos os matizes e prismas ganham as páginas dos jornais, redes sociais, salas de aula, programas de televisão, salões de beleza, manicure, pedicure, botecos e afins.

Todos de uma certa forma acabam colocando a culpa da violência no Código Penal que acaba "apanhando" sem dever. Nos programas televisivos do tipo "show de horrores" os apresentadores "desfilam sua verborragia" contra o código, ora atacando-o como brando demais, ora criticando suas "brechas" ora chamando-o de caduco e por aí saem defendendo uma reforma totalitária com penas eternas e masmorras medievais.

E o pior é que acabam criticando e atacando sem talvez nunca terem aberto uma única página do código, sequer sabendo diferenciar a parte geral da especial ou mostrando onde estas danadas brechas de que tanto falam estão.

Não sou contra a reforma. Muito pelo contrário.Defendo-a.

A reforma é bem vinda sim, mas não pelas razões de "caduqice" do código ou pela sua "brandura", ou até mesmo pelas supostas brechas que só são encontradas nas falas dos apresentadores e alguns desinformados que acabam desaguando sua revolta contra o crime na lei codificada. A reforma é bem vinda porque o código não mais se identifica com os valores constitucionais expostos na nossa Carta Cidadã de 1988.

A reforma do código é bem vinda porque não podemos mais fazer leis ao sabor das paixões midiáticas que acabam dosando as penas em razão de um episódio ou de um caso pontual, como por exemplo, quando o legislador criou o crime de falsificação/adulteração/ alteração de produto destinado a fins terapêuticos (artigo 273 do CPB) cuja pena varia de 10 a 15 anos de reclusão depois daquele episódio das pílulas anticoncepcionais de farinha. Assim alguém que adulterasse um simples shampoo, por exemplo, estaria incorrendo em crime mais grave do que algumas condutas de homicídio, lesão corporal grave, roubo, estupro etc.

A própria lei Maria da Penha que veio com a ideia de combater a violência doméstica cuja pena ainda é menos grave do que o furto de uma melancia é um dos casos de falta de simetria proporcional entre a gravidade do crime e a pena aplicada. E tantos outros exemplos poderíamos aqui citar para falar da falta de proporcionalidade do atual sistema penal, representado por este código ainda inspirado nos recônditos fascistas da Itália de 1930.

A reforma é bem vinda para realmente se criar qual o código penal que queremos, mas sem messianismos ao pensar que a lei penal combate e resolve o problema da criminalidade. O crime não aumenta porque a pena é pequena ou diminui porque a pena é grande. Em países com prisão perpétua, como a Itália, por exemplo, e a pena de morte, como alguns estados dos EUA, o crime seria extinto, caso esse silogismo fosse uma verdade.

Os motivos e razões da existência do crime são múltiplos e não repousam na maior ou menor pena aplicada. A proporcionalidade no trato entre os delitos e as penas é para que haja um ajuste escorreito entre a sanção e a conduta, mas nunca com a ideia hercúlea de que um novo código irá exterminar a violência desmedida em nosso país.A proporcionalidade tem o viés de ser justo com o que se quer punir e como punir, evitando os desvios punitivos que tanto ocorrem ao sabor das paixões.

Para um combate aos alarmantes índices da violência sugiro políticas públicas de educação, geração de emprego e renda, construção de centros de lazer e esporte, casas de tratamento para dependentes químicos e outras medidas que podem atuar para atenuar ou abrandar os efeitos do crime na sociedade, até porque cadeia como único remédio para todos os males e mazelas da camada mais pobre da população não é mais o fim terapêutico ideal de um Estado que pretende e se desenha por ser DEMOCRÁTICO E DE DIREITO.