Solteirona, mais de 40 (já para mais de cinquenta para dizer a verdade...), Maria Julieta vivia assim, no caritó.

Qualquer barra de calça que ela visse, era um suspiro: branco, preto, amarelo, oriental, anão, eunuco. Teve “perna”, ela salivava.

Feia, ela não era. Era sim “estragada”, diziam as línguas mais condescendentes que a alcunharam, pejorativamente, de Maria “Vitalina”.

Saia só bem abaixo do joelho, maquiagem zero, cabelo com “cocó” da vovó, roupa só em tom escuro, óculos fundo de garrafa e sensualidade de uma iguana.

Assim passava seus dias. Da casa, para a repartição, para a igreja aos domingos, para a feira aos sábados.

Baile, festa, curtição, nem pensar.

O porquê da solteirice crônica era o que ninguém explicava.

Suas irmãs, muito mais “dragões de komodo” que ela, todas, estavam casadíssimas, cheias de filhos... algumas até com amantes, mal faladas na boca do alheio.

Todavia, para a infelicidade da balzaquiana, restava-lhe o frio das noites de chinelo velho sem pé doente, de cadela sem dono, de solidão das mais doídas e pungidas.

Por debaixo daquele saiote adormecia um vulcão...

Até o dia em que na cidade do agreste chegou um misterioso e solitário homem.

De terno escuro só andava, mesmo sob sol escaldante. Pálido, com cabelos pretíssimos e penteadíssimos, era por demais respeitador. E digno de pavor sinistro.

Dizia viver de renda. Teria feito pousada na cidade devido ao ar amabilíssimo do local, à proximidade com a serra, a mata, o rio... evitava sair de dia e era raro vê-lo sob a luz solar. Mas dava a hora da Ave-Maria e era batata. O sol se punha e o estranho novo morador sai à rua.

Fisicamente, até se passava por um homem comum, salvo as mãos peludas e as unhas finas de dedos alongados, com narinas profundas e igualmente cabeludas, sempre de olheiras como que com olhos afundados e marcados à ferradura. Voz grossa e físico esbelto invejável, não se sabe como a boataria e a crendice de interior revelaram sua suposta natureza: seria um lobisomem.

O motivo da desconfiança? Simples: em noite de lua cheia, após sua chegada, munícipes foram perseguidos por um bicho em forma de meio homem, meio lobo. Teve o Joca do Mercado, o Tião Cabeça e o até o cego Jesuíno que garantiam ter ou visto, ou ouvido, ou ainda pressentido o uivo e a sanha assassina do bicho.

A fofoca se espalhou rapidamente.

Em especial quando a figura masculina que metia medo, e se dizia batizada como Feliciano Marins, deu para se engraçar da Maria Julieta.

O namoro foi discreto e breve. Mesmo que infalível, já que deu em casamento relâmpago.

Toda a cidade comentou.

Era a união da “Vitalina” com o lobisomem.

Mesmo que discretíssimo, o casório deu o que falar.

Em especial porque em noite de lua cheia, a partir da união do estranho casal, o uivo da besta fera passou a ser dobrado, mais intenso, contínuo e estridente. Temerários, pavorosos, terrificantes.

E lascivos.

Começava por volta das 10 da noite, pelos arredores da vila. Assustado, morador que era temente a Deus não saia de casa de forma alguma, com medo do filho do Cão a morder e a espantar.

E terminava fininho e manhoso, com tom de gaitada de safadeza e libertinagem, a ecoar por uma certa janela de uma casa na praça central.

Todos sabiam.

Mesmo que nunca, jamais, em momento algo velha futriqueira, fofoqueiro barato ou tomador de conta da vida de outrem ousasse espreitar.

 

 

No twitter é @weltonroberto