Já estava na iminência da aposentadoria.

Aquela era a derradeira vez em seu posto de trabalho.

Mãos trêmulas de veias grossas, calvície crônica, roupas simplórias, camisas rota debaixo do braço devido ao carregar de papéis, óculos profundos em olheiras imensas...  saber inigualável.

Sensação de trabalho feito e de incompreensão: teria valido a pena?

Só confessava para si mesmo que tinha, ainda e àquela altura da vida, muitas dúvidas.

Teria feito a escolha certa?

Teria cumprido sua missão?

Talvez sim, não obstante pouco foi o que ganhara em remuneração e muito arrecadara em noites mal dormidas e frustrações momentâneas.

Como no conto do grande Machado de Assis, um de seus escritores prediletos, sabia que “havia servido de agulha a muita linha ordinária”.

Alguns na família o tinham como profissional menor. Os amigos, como visionário, que desperdiçara brilhante oportunidade de carreira. Era o errado, o esquerdo e o mal pago em meio a uma prole com linhagem de médicos, engenheiros, advogados, servidores públicos de alta patente, até militares.

Mas enfim, a vida lhe foi menos doce em alguns momentos e a terra, também como no dizer de Machado, haveria de lhe ser “leve”.

Já era fim de tarde.

Escreveu, leu, revisou.

Sua voz de cordas vocais devastadas fez a última profissão de fé, para ouvintes desatentos, dispersos, afoitos, alguns de juventude inicial já transviada pelo vício, pelo ócio, pelo desamor.

Por um instante, um filme em sua mente: a formatura, o começo, os tropeços, os bons sabores...

Sim, porque eles existiam sim. E foram muitos...

Amigos, gratidão de discípulos, encontros com ex-meninos e ex-meninas, anos depois já homens e mulheres, com lembranças de aprendizado e exemplos de honradez, de humildade característica dos sábios autênticos.

Que saudade!

Teria sido em vão?

Faltavam minutos para o fim e a dúvida o dominava por completo, sem aparente encerrar

Enfim, após carreira e serviços prestados, era a hora de fechar o livro e dizer adeus.

O alarme soou.

Em fração de segundos, todos partiram, corredores afora.

Estava só na solidão da sala e o esclarecimento teimava em não lhe vir.

Pensou ser inútil perguntar-se mais ou novamente.

Melhor ir embora e viver o que lhe restara.

Foi quando saiu da sala, e deparou-se com seu sucessor, de cara, sem anteaviso do Recursos Humanos.

E era uma “menina”.

Falaram-se com a timidez que aflige o velho diante do novo.

Trocaram desejos de boa sorte. Despediram-se.

Ele, a continuar com sua convicção frouxa, virou-se.

Sem antes ouvir:

- Muito obrigada professor! Sou Ana Luisa, oitava A, turma de 1995, colégio Moreira e Silva, no Cepa. O senhor se lembra de mim?

É claro que ele não se lembrava.

Mesmo assim, deu tempo dele ele balançar a cabeça, sorrir e rumar pátio adentro.

Agora, com olhos marejados e com uma certeza sem tamanho e inarredável de que seu ofício de professor era grandioso e pagável somente com aquela singela, porém verdadeira deferência e prova da magnitude.

Da magnitude da arte de educar.

 

 

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