Ataulfo tinha 79 de idade, 13 de viúvês, e mais de 10 de “aposentadoria”...
Sim, de “aposentadoria” daquilo que a finada ainda pegou e se lambuzou com “vida”.
Aposentadoria de “bilau”, de “pinta”, de “paudurescência”.
Já fazia década que a “pipa do vovô não subia mais”.
Vivia assim. Sozinho, da igreja para a casa, da casa para o banco sacar o “benefício” todo o final do mês.
Mas naquela prévia de carnaval seria tudo diferente. A turma do carteado e da fofoca da terceira idade estava organizando comissão para invadir e “bombar” no Pinto da Madrugada.
E a missão da “galera”, de atrair do caseiro Ataulfo para a pré-folia de Mômo dera certo. Todos sairiam no bloco fantasiados de mortalha branca, vestidos de fantasminhas do bem...
- “Vô sim, é craro! Tô meio bambo, crise de labirintite, causo da safena e da pressão, mas o véio vai para a guerra” avisou o “garotão ao aceitar o convite.
E na sexta à tardinha tomou as devidas providências. Gemada reforçada, tripa de porco frita em banha de galinha velha, pó de guaraná com suco de cajarana verde, cerveja preta com gengibre e raiz de pau, fruta pão com carneiro guizado no café... tudo para ficar “durinho” e não cair desequilibrado no desfile, não fazer feio com a tontura que haveria de dar no meio do sol quente.
E foi o pedido de ficar “duro” o causador do mal entendido na farmácia. Pediu e foi atendido pelo balconista que, com risinho de sacanagem, não exitou em clinicar o quase ancião com uma “vitamina porreta, meio cara, para bolso estibado, mas daquelas tipo ‘pei e búfi’” no linguajar do vivaldino.
Ataulfo foi para casa e, ansioso, tomou logo uma daquelas “potença”.
Mas ficou cabreiro com a viabilidade do efeito e, para garantir, tomou mais uma.
Foi dormir e acordou azuado lá para as 3 da manhã, coração na boca, vontade de escalar o mosquiteiro que nem largatixa há mais de mês com fome de muriçoca.
Seria o efeito da “bichinha”?
Se sim, era “arretada mermo”... aí tomou mais uma para “sacramentar” sua apoteose na avenida.
Manhã de sábado, logo cedo, Ataulfo, vermelhíssimo, veia do pescoço parecendo mangueira de bombeiro de tão inchada, olhos arregalados de “farol alto de jipe”, tremendo todo, fumaçando pelas ventas... chegou no comecinho da Pajuçara.
Todo de branco, mortalha folgadona e, como era homem das antigas, sem cueca.
Acostumado fora a criar o “bicho solto”, morreria com o “regador” na liberdade.
E foi o frevo começando, a turma tomando “umazinha” de leve, para o quase oitentão endoidar, definitivamente.
A cada “tã rãrã rãrã rãrããããããã” da banda de frevo o passista careca vestido de Gasparzinho botava para quebrar, lembrando dos carnavais inesquecíveis da Rua do Comércio de outrora.
Tornou-se o centro das atenções, abrindo alas para a Pintoca gigante, mascote do bloco.
Parava homem, parava menino para ver...
Parava mulher nova, parava "cocota" e tudo mais... e foi aí no quesito mulherio que o vovô começou a admirar cada fêmea fantasiada, ou em especial modelada de shortinho expositor de polpa de bunda.
Foi o catalisador do “fenômeno rocha” do Ataulfo começar.
“Aquilo” foi crescendo, crescendo, crescendo... e se avolumando por debaixo da veste branca de morim.
Quando menos se deu por conta, o “morto” ressuscitou.
AAAAAAleluiaa! AAAAAAleluiaa!
AAAAAAleluiaa! AAAAAAleluiaa! AAAAAAleluiaa!
E, diga-se de passagem, na juventude Ataulfo era conhecido como o “Cavalo do Jaraguá”. Isso porque a métrica de seu “instrumento” chamava a atenção na antiga zona de meretrício da capital...
Quando chegou nos Sete Coqueiros, o folião estava no momento de "pico". Enooooorrrrrrme!
Tinha quem desviasse o rosto, quem admirasse a “envergadura” do monumento.
Pai perguntado por filhinha sobre “o que era aquilo” dizia que o “fantasminha estava montado num cabo de vassoura”.
Os cantores do frevo e da Pintoca quase se anularam diante daquela “espada de samurai” sangrenta e sedenta por vingança a tremer diante do som de Capiba e da Orquestra Super Oara.
E haja “tã rãrã rãrã rãrããããããã” para o frevista pular. Pular e todos ao seu lado correrem daquela quase guilhotinha na horizontal.
Teve quem achou estranho, nojento, esquisito, engraçado, pornográfico, asqueroso, carnavalesco.
E teve quem achou, simplesmente, “totoso”, de dar água na boca.
Assim foi para a dona Juventina Silva, 64 aninhos para mais de 110 quilinhos, fantasiada de Bila Bilú Enfermeira.
Agarraram-se em frente ao Lopana e se beijaram ardentemente.
Dona “Juju” não se fez de rogada. Topou, na hora, conhecer a casinha onde o viúvo vivia, lá no Bebedouro.
Foi uma noite de amor daquelas, como Ataulfo não tinha há muuuuuuuito tempo, nem com a falecida.
Um verdadeiro milagre do Pinto da Madrugada.
Para o aposentado fruto da “vitamina” e do espírito de carnaval.
Para a ciência resultado dos três Viagras ingeridos pelo vovô e vendidos na tarde anterior por um atendente de farmácia fanfarrão.
Se "tuítas", aviso: estou no @weltonroberto