A notícia se espalhou como rastilho de pólvora.
O caso de amor da Januária com o Celestino viera a público.
O marido da papa hóstia, inconsolável.
A mulher do feirante, em estado de choque.
Assim ficaram os cônjuges.
E o que dizer dos rebentos, filhos dos adúlteros?
Ninguém esperava o romance subterrâneo, exposto para toda a cidade via maledicência e fofoca alheia.
O conhecimento vinha a partir de descrição sumaríssima.
Diziam que a imagem vista por alguém, não se sabe quem, era picante: mão naquilo, aquilo na mão, aquilo naquilo e tudo junto e misturado ao mesmo tempo era o que se dizia ter visto, com cor, movimento e gemido de libertinagem. Sem contar língua e pelo, enroscadíssimos.
Foi um escândalo.
O padre fez sermão na missa de domingo contra a safadeza que imperava no mundo, exemplo e força do tinhoso, do cramulhão, do belzebu dragão infeliz.
Nas bancas do comércio choveu pedidos jocosos por ponta de corda, antena de televisão, enfeite de cabeça ou coisa parecida.
Teve cordel com o caso infame, e o palhaço e a rumbeira do circo divertiram o povo com quadro de desdém acerca do fatídico caso.
Na campanha do prefeito, além da promessa de posto de saúde, cemitério e escola nova, teve campanha pela moralidade, em prol dos bons costumes e em defesa da vergonha na cara.
Na banca de verdura e hortaliça, a cada chuchu na sacola e a cada pepino na balança, um sorriso de ironia invejosa, saliente, escárnio em forma de travestida ironia partia de freguês maroto em direção do comerciante de rua.
Na cidade, não tinha quem não comentasse.
De idoso a menino, cachorro, gato, galinha e periquito, do pastor ao bêbado, do carroceiro ao juiz.
Mas eles, o casal luxurioso, negavam o romance. Atribuíam tudo a um mal entendido imaginário. Mentira, covardia e outras ias.
Na imagem vista e divulgada por boca de futriqueira, ele não era ele.
E ela não era ela.
Deveria de ser alguém parecido, idêntico, tipo clone da novela das oito.
E o “SinhôJisúis” e o “Padim PadiCiço” haveriam de coroar a verdade, ao menos nalgum dia.
Mesmo assim, o conversê fiado e maldoso venceu.
Januária murchou.
O esposo corno traído a abandonara.
Celestino corou.
A companheira vestiu-se de preto de luto, largou do homem.
Ambos negavam o adultério, mesmo ele sendo já concretude na cabeça daquela gente.
E da boca do povo vinham ainda mais evidências do amor...
De um falar que tudo começou na quermesse, atrás da barraca da roleta do bicho. Local onde Januária fora vista, aos beijos, com Celestino.
Isso segundo alguns, pois segundo outrem o Celestino fora visto entregando macaxeira na casa da Januária, em hora de fim de feira, na ausência do dono do lar ou da filharada.
Ou que os encontros do casal ardiloso, fogoso e libertino aconteciam dentro da Kombi 76 do Celestino, ou na sacristia da Santa Igreja com ajeitado da Januária, nas costas do vigário. Ou nos quartos cheirosos de sêmem do Hotel Palace, "familiar" na tabuleta da porta todavia e na verdade inferninho acessório de cabaré e apêndice de casa de orgia.
Mas não houve vingança, nem chance de defesa.
Sem marido, deserdada e desonrada, em mulher da vida e espetaculosa Januária se transformou.
Sem mulher e desmoralizado, não por costurar para fora do casamento mas sim por se deitar com a sonsa da capela face a oferta abusiva de outros ventres na cidade, Celestino se tornou cachaceiro compulsivo, raparigueiro e fanfarrão.
E era homem da cidade a fazer esforço para pagar o cachê da ex-santinha da vila.
E era Januário a percorrer cada prostíbulo, cada zona, cada puteiro em busca de quenga paga e fácil.
E foi assim, e somente assim, que o mito virou realidade.
Mediante 3 tostões, corpo banhado de alfazema, luz vermelha, espelho no teto e lençóis encardidos os dois se “amaram”.
Finalmente.
Perpetuando a máxima da história como tragédia e como farsa.
De um amor que nasceu e se cristalizou, puramente, na boca do povo.
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