Coitados!
Já estavam confinados há algum tempo. E bota tempo nisso!
Já tinham tentado de tudo para conseguir um “alvará de soltura”.
Mas, até aquele momento, nada.
Nenhuma tentativa dera certo.
Mais de 30 anos de prisão. Cada um dos pobres homens. Privados desde que entraram naquela igreja...
Não adiantava negar o crime. Tinha um monte de testemunhas. E tinha uma porção de fotos também. Em todas, quando da realização do ato criminoso, eles apareciam sorrindo, dançando, bebendo... um cinismo puro de bandidos sanguinolentos, dissimulados, calculistas, frios, impiedosos...
Por isso, argumentos em suas defesas, dos mais eruditos aos mais criativos, já haviam sido rebatidos um a um.
Eles, desesperados, não sabiam a quem mais recorrer.
Amigos, colegas de trabalho, conhecidos distantes, parentes próximos, todos já tinham entrado nos “autos” dos pedidos de “habeas corpus” ou de progressão de pena.
Já havia mandado carta para o Gugu, para aquele quadro tipo “De Volta a Minha Terra”. Já havia simulado doença fatal, infarto, morte motivada por furúnculo, bicho de pé, anemia, asma, enfarto. Na visita do Santo Papa João Paulo II à Orla Lagunar tentaram apelar à clemência do Sumo Pontífice...
E o resultado: nada!
A resposta sempre vinha negativa. Seus destinos, para o eterno, seria o cárcere.
Eles não sairiam dali nem por decreto, clemência da presidenta, ordem da ONU, atentado terrorista de resgate da Al-Qaeda.
Já haviam aprontado demais quando soltos e a ordem era mantê-los “presos” mesmo!
Antes do RDD - Regime Disciplinar Diferenciado – em que eles agora viviam era tudo alegria. Farra, birita, carteado, cachaça, “raparigagem” “à fole”...
Nossos mártires eram Antonio Venceslau Limeira, ou Tonico da Paz nos tempos de glória, e Amilcar José Teodósio da Silva, ou Kiko Tromba nas eras de glamour.
Aposentados, mais de 60 cada um. Um, ex-estivador, o outro, servidor público do município.
Detidos. Perigosos. Viviam ali impostos a uma dura rotina.
Acordar. Dormir. Acordar...
Àquilo era melhor a morte”, já havia lamentado um deles. E eram anos naquela masmorra!
E não faltou plano de simulação “infalível” para darem um jeitinho e fugirem, ao menos uma noite, da situação deplorável do cárcere injusto.
Quem tomava conta de Tonico e fazia às vezes de agente penitenciário do leão amansado era Dona Isoldinha, mais grossa que parede de Igreja, com tapona mais certeira que a de lutador do UFC. Mulata “braba” e destemida, era uma mistura de Anderson Silva com a Tia Anastácia do Sítio do Pica Pau Amarelo. Só que de cara feia e mais venenosa e mortífera que anaconda raivosa e faminta.
Já a “promotoria” do Kiko era desempenhada com bravura pela Dona Mafalda. Pensem em uma matraca! Pensaram? Agora multipliquem por 100 e elevem à terceira potência. Pronto! Este era o poderio da voz estridente da velhota, conhecida no bairro como Judas de Saia. Devido a sua "popularidade" e "bem querência", todo Sábado de Aleluia a molecada fazia boneco em sua homenagem, que era linchado com gosto em pleno poste, e depois esquartejado, e depois queimado, e depois tinha as cinzas espalhadas para não haver chance de ressuscitarem.
E o tempo foi passando... Carnaval, Semana Santa, São João. Anos a fio... Continuavam ali enclausurados respirando o ar pesado da cela. A do Tonico chefiada por Dona Isoldinha. A do Kiko por Dona Mafalda...
E o lado mais injusto, mais desumano, mais degradante da pena era a “ceia” noturna. Há anos o mesmo “prato”: “dragão mal passado, insosso e fedorento”...
E que não reclamassem, pois uma vez presos tinham a “obrigação” de “papá totoso...”.
Os anos se passavam e os presos tiveram uma idéia original para a uma fugidinha.
Lembraram-se da casa da Custódia.
Quem iria desconfiar daquele lugar!
Eles já conheciam o recinto de há muito tempo, das fases áures de libertinagem, e ninguém imaginaria que em plena noite de Natal aquele ato de bondade pudesse ser visto como hedionda e maquiavélica comemoração.
Afinal, a Custódia era uma “senhora pobre e caridosa, que após anos ajudando homens de bem, passava aperreio no leito de morte”.
A luz vermelha que ecoava do ambiente haveria de ser em homenagem ao Papai Noel. O fumacê que se via no lugar não era cigarro não, era neblina trazida pelas renas...
Iniciaram então o plano. Precisariam ali estar para prestar solidariedade na noite de Natal àquela casa que abrigava uma senhora muito enferma que tinha como último desejo a visita dos amigos de infância do filho mais velho. Eram homens santos, resignados, que já pagaram por seus crimes com anos de detenção.
Mereciam uma segunda chance.
Municiaram-se de documentos, fotos, requerimentos, provas incontestáveis de que precisariam sair dali para estar na casa da Custódia na noite de Natal.
Dona Isoldinha e Dona Mafalda, cruéis e ferrenhas na acusação, foram aos poucos se comovendo.
Apelo solidário dos reeducandos, permissão concedida!
Aos prantos Dona Isoldinha e Dona Mafalda abraçaram-se e acharam que a missão estava cumprida.
Enfim, fizeram Justiça!
Ressocializaram os maridos e os devolviam ao convívio da sociedade, ao menos por uma noite.
Até que enfim, eles ganharam um Vale Night!!!!
As esposas haviam consertado seus cônjuges, que agora as enchiam de orgulho em plena noite do nascimento do menino Jesus fazendo uma visita nobre a uma velha senhora e moribunda.
Era a primeira vez que sairiam sozinhos depois de anos da clausura doméstica do casamento.
As sogras de ambos, bichos de peçonha, no início foram contra a “condicional”. Mas até elas se emocionaram depois e rezaram pelas almas dos genros agora santificados.
E no dia 24, de tardinha, lá se foram Tonico da Paz e Kiko Tromba. A Casa da Custódia os aguardava ansiosamente.
Chegaram no lugar já de noite.
Era lá em uma daquelas ruas do Centro, por trás da Praça dos Martírios, antes do Mercado da Produção.
Lá vivia a honosa Custódia.
A maior cafetina “véia” de Maceió.
Foi desmantelo.
Tonico da Paz e Kiko Tromba se fartaram no “rodízio” completo oferecido pela “Custódinha”. Após anos de “dieta do dragão”, beberam a rodo, fizeram bundalelê, não perdoaram nem buraco de fechadura. Uma orgia como anos a Casa não via. Cada “Mamãe Noel” do recinto foi “chunchada”. Não perdoaram nem a Glorinha, égua de um carroceiro que passou por lá para ter uma ceia diferente.
Na manhã seguinte, acordaram a pulso.
Cara inchada, e outras coisas inchadas também, cabeça doída, ressaca infernal, meio bambos, voltaram para suas residências.
E levaram uma “pisa” cada um, com direito dentada e chave de braço da Dona Isoldinha, e tapa na cara com sermão de dias da Dona Mafalda. As sogras então, não perdoaram. E olha que raiva e praga de sogra é pior que desejo maligno do Cão!
A pena foi ampliada e agora seria perpétua. E olha que perigava dar até pena de morte!
Tudo porque no dia seguinte, na TV, a notícia de destaque em emissoras de todo o mundo eram as fotos que vazaram na Internet.
Nelas, dois velhinhos nus, cheios de mulher e cachaça, comemoravam a liberdade.
E a pior delas era a imagem dos dois, pecaminosos e ardentes, ambos em cima, um na frente e outro atrás, a cantarem “Noite Feliz” agarrados no lombo da potranca Glorinha.
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