A ideia desse texto veio de uma conversa entre amigos. Um desses amigos falou sobre sua experiência como funcionário público no interior de Tocantins. Na verdade, ele fez um lamento. A postura das autoridades no interior do Brasil impressionou meu amigo. Apesar de na cidade haver médico, promotor, juiz, defensor público, delegado e tudo o mais, nada funcionava, pois ninguém trabalhava!
Isso mostra que não basta a presença do Estado para que o serviço público funcione. É preciso também começar a pensar no perfil daqueles que se candidatam a uma vaga no serviço público brasileiro. Superamos a época em que a pessoalidade dominava os critérios de seleção e agora podemos nos orgulhar de uma administração pública que seleciona seus quadros pela mais absoluta impessoalidade e pelo mérito.
Isso já proporcionou uma importante melhoria nos quadros do funcionalismo. Gente qualificada e vocacionada para o serviço público passou nos concursos e isso melhorou demais a qualidade da administração. Hoje, podemos dizer que a maioria dos funcionários públicos é abnegada e comprometida com a qualidade. Há também nichos de eficiência que precisam ser imitados pelos demais setores da administração pública. Vejam o exemplo do Judiciário alagoano. Os novos juízes estão revolucionando algumas cidades do interior.
Mas ainda há muitos problemas, principalmente nos instrumentos de controle de eficiência. Ainda falta muito para que nosso serviço público funcione de maneira adequada. E, pelos salários altos de certos funcionários, podemos ver que não basta aumentar a remuneração para termos eficiência. É preciso cobrança contínua e imposição de metas. Quando isso não ocorre, o que acontece é uma espécie de acordo tácito entre as autoridades. Ninguém trabalha e ninguém faz cobranças.
Veja se você não conhece alguma cidade no interior em que o posto médico não funciona porque o médico dá plantão em casa. O promotor e o juiz não reclamam, pois são amigos da médica. O prefeito não gasta o dinheiro com educação, mas em festas e estátuas, mas nem o promotor nem o juiz podem reclamar, afinal, moram numa casa doada pelo município (pelo prefeito). O delegado também não investiga, pois só está na cidade dois dias por semana e não quer ficar mal com o juiz ou com o promotor, que, por sinal, também só vão à cidade duas vezes por semana.
E assim a pequena cidade, cheia de “Estado”, na verdade não tem serviços públicos básicos. Um não reclama do outro e, assim, ninguém trabalha. Esse é acordo tácito que existe entre as autoridades que formam a elite do funcionalismo público em várias cidades brasileiras. E quando um deles não concorda com a bagunça, certamente arrumará briga com todos eles e não conseguirá trabalhar...
Essa elite do funcionalismo público, normalmente, é formada por gente inteligente, mas que, infelizmente, pensa que o esforço que teve para passar em concursos deve ser recompensado não com um trabalho vocacionado, mas sim com a falta de trabalho. Gente preguiçosa...
O funcionalismo está cheio de gente boa, mas ainda existem muitos problemas. Nós ainda temos promotores, delegados e juízes com medo de bandidos. Temos defensores públicos, médicos e assistentes sociais com medo de povo. Temos professores que não gostam de dar aula e técnicos do Judiciário que não gostam de trabalhar. Essa turma não tem vocação para os cargos que assume. Eles pensam apenas no salário e na estabilidade que um emprego público proporciona.
Como acabar com isso? Ora, mesmo os quadros mais eficientes do funcionalismo público precisam de metas! A maioria os funcionários públicos é formada por gente abnegada, que rompe esse acordo nefasto e vai trabalhar. Gente que faz mais do que cumprir funções básicas, mesmo sabendo que não ganhará mais no fim do mês. Mas eles também podem produzir mais. A falta de remuneração por metas é o nosso grande problema. Enquanto não houver cobrança, nem os bons profissionais se sentirão instigados a trabalhar. Já os maus...
Maus funcionários encontrarão na estabilidade dos seus vencimentos um refúgio seguro para sua preguiça.