Parece que foi ontem.
A origem humilde do menino era visível. Em seus trajes, em seus pertences.
E em sua sobriedade e dedicação.
Sentou-se na primeira banca, na primeira fila.
Afinal, aquela seria a primeira aula da faculdade.
Em especial para quem vinha de escola pública, com parentes desprovidos de recursos financeiros de monta, porém em muito dotados de honra e determinação, era aquela uma fagulha de tempo mais que solene, a ficar para a eternidade.
Na primeira aula o professor, solene, parecia um sacerdote, um mago, um feiticeiro.
O mestre falava coisas novas, algumas incompreensíveis, anotadas no caderninho pelo menino com esmero e com cuidado extremo em não errar as referências, em não abusar da desatenção, em, como um antropófago, devorar o conhecimento.
Mesmo extenuado após um dia de trabalho duro, lá estava ele, sempre pontual, sempre na primeira banca, na turma do curso noturno, curso de estudante que de dia era trabalhador.
E ele era um dos primeiros a entrar, um dos últimos a sair.
Livros, eram escassos. Muitos emprestados pela generosidade de colegas. Outros, sonegados pela mesquinhez presente no bicho homem.
Passou-se o tempo. E com ele, a formatura, os causos, as polêmicas, os processos ganhos, as causas perdidas, as defesas da dignidade humana.
Hoje, o menino se fez homem, pai, esposo.
Atreveu-se a ser professor.
Ousou estudar aqui e no estrangeiro.
Fez amigos, incontáveis, por estas bandas e em outras bandas da terra.
Mas, vira e mexe, entre folhas de autos e pisadas de maratonista, aquele instante mágico da primeira aula retorna a sua mente.
E se houvesse desistido? E se tivesse largado o sonho naquele dia em que teve que pedir emprestado ao colega – que tinha menos que ele – o dinheiro para a passagem do ônibus? E se estivesse incluído entre os inúmeros – a maioria, infelizmente – meninos lutadores a quem é sonegada a oportunidade de voar alto, de sair do chão?
Neste instante, é certeza a lágrima escorrer pelo rosto.
Enfim, viver é lutar. E lutar é garantir, se não vitória factível, a certeira e infalível vitória da luta.
Que mais meninos, e meninas, que se acotovelam em ônibus lotados, em trabalhos mal remunerados, em circunstâncias das mais adversas... possam no futuro como o menino hoje, ter certeza absoluta que valeu a pena.
E como valeu, indica-nos na eterna lição.
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