Acabei de ler o livro da Míriam Leitão chamado “Saga Brasileira”. Bom livro. Tirando as muitas tentativas de fazer literatura ou simplesmente parecer poética, Míriam Leitão faz um relato jornalístico importantíssimo da nossa história recente. O livro conta a história das várias tentativas do Brasil se livrar da inflação absurda que vivemos vinte anos atrás.
A narrativa reúne, para além dos dados objetivos sobre os planos econômicos desde o governo Sarney, informações de bastidores colhidas em entrevistas com os principais artífices dos diversos planos e, principalmente, do Plano Real. Traz, também, vários depoimentos de pessoas comuns que viveram o período da inflação descontrolada no Brasil. Inclusive, por vezes, esses relatos são repetitivos, mas são importantes para mostrar como as pessoas lidavam com aquele absurdo. O livro é envolvente e de fácil leitura. Não tem muita teoria econômica e ainda conta com um glossário no final.
A tese central do livro é a de que a estabilidade econômica é uma conquista do povo, antes de ser de qualquer governo. Acho que Míriam não quer dar a entender que está louvando um plano de governo elaborado por FHC. Deve estar com medo de ser chamada de membro do PIG... Mas o argumento de Míriam faz sentido. As pessoas realmente se engajaram e conseguiram interpretar regras complexas sobre conversão de moedas. As pessoas toleraram as bizarrices mais autoritárias e vigiavam os preços congelados. Viraram os “fiscais do Sarney”! Sofreram com o Plano Collor.
Todavia, a estabilização da moeda não ocorreu somente devido a um plano econômico. Ela se deve também às reformas liberais que começaram com a abertura econômica no governo Collor. Uma economia estável também só é possível com o controle das contas públicas, que a própria Míriam Leitão aponta ter sido obra de especialistas da burocracia. Contadores, juristas, economistas, etc. Técnicos que, com muita boa vontade e racionalidade, venceram as resistências e ajustaram o orçamento, criaram o Tesouro Nacional e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O povo se engajou, é verdade, mas não há como fazer uma mudança destas sem o entusiasmo gerado por convicções políticas e muita racionalidade. A obra não foi só de economistas, mas também de políticos. Não quero contrapor o argumento de Míriam, mas acho que ela força a barra quando atribui essa conquista ao “povo”. Talvez, se o povo pudesse escolher, teria sido contra algumas das reformas mais importantes, como as privatizações, a reforma na administração pública, da previdência, entre outras.
Minha ênfase nesse período da história seria outro. A luta contra a inflação não foi obra de uma mera técnica econômica ou somente do engajamento do povo. Foi resultado de reformas mais profundas. Reformas que tiraram o Estado do controle de setores estratégicos e permitiram o surgimento de algo que até então não existia no Brasil: concorrência.
A estabilização da economia foi a vitória da liberdade econômica sobre o estatismo.
Estado demais na economia (e eu nem estou falando de seguridade social, mas de planejamento econômico) provocou, no Brasil, o uso do Estado para beneficiar a elite. O livro revela uma obviedade, mas que, para muitos, é impossível entender. Quando o Estado se mete na economia, ele beneficia os setores amigos do poder. Por isso foi tão difícil vencer os interesses que eram contra essas reformas liberais. No nosso caso, o Estado controlava tudo e ainda vivíamos um nacionalismo que, entre outras coisas, impediu a importação de produtos de informática durante um bom tempo. Os empresários ficaram reféns de produtos tecnológicos caros e de baixa qualidade. Isso só caiu no governo Collor. Aliás, o governo Collor é tratado no livro como vilão e mocinho ao mesmo tempo. Vilão pelo absurdo Plano Collor, e mocinho por ter começado a abrir a economia.
Liberdade na economia significa mais prosperidade e menos pobreza. Foi justamente após o Plano Real que a pobreza realmente começou a cair no Brasil. Depois do Plano Real, o consumo realmente alcançou os mais pobres. A concorrência baixou os preços. As privatizações geraram muitos benefícios. Produtos antes restritos às classes mais elevadas puderam fazer parte das famílias mais pobres. Geladeira, fogão, televisão, telefones celulares.
A chegada ao poder do PT ameaçou essas conquistas. O PT tinha sido contra tudo aquilo que acabara de melhorar a vida dos brasileiros. Mas, para vencer as eleições, o partido teve que abandonar suas crenças mais arcaicas e abraçou, envergonhado, o paradigma que os esquerdistas chamaram de “neoliberal”. O PT, que foi contra o Plano Real, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra todas as reformas do governo FHC, contra as políticas de transferência de renda como o bolsa-escola (embrião do bolsa-família), abandonou quase todas as suas crenças e manteve o padrão econômico e as políticas sociais do antecessor.
Manteve, mas não seguiu adiante. Aproveitou os tempos de bonança, passou pela crise melhor do que outros países e está crescendo e gerando inclusão pelo emprego. Mas falta muito, ainda. A ideologia estatista da esquerda brasileira atrasa nosso caminho a um país mais rico.
O Brasil melhorou, e isso foi obra do liberalismo econômico. Poderia ter sido melhor. Ainda temos vários elefantes estatais atrapalhando o desenvolvimento. Correios, Petrobrás, empresas de energia, água, saneamento. Amigos, o Estado brasileiro ainda administra shoppings centers! O que os amigos acham que a Infraero faz?
Mesmo não tendo voltado atrás em nenhuma das privatizações, o PT sempre manteve o discurso contrário. Apesar disso, quando o calo aperta, cede às pressões neoliberais. Está, somente agora, às vésperas da Copa do Mundo de Futebol, privatizando aeroportos. A ideologia do PT nos atrasa, mas, pelo menos por enquanto, continuamos no bom caminho do desenvolvimento.
O Brasil é mais um dos exemplos da história recente que provam – isso mesmo, provam – que estabilidade econômica, prosperidade e redução da pobreza só são possíveis em ambientes de liberdade econômica. Espero que essa mudança de rumos que começou com Collor e se consolidou com FHC não se perca nos delírios ideológicos dos radicais do PT. Tomara que nosso futuro nos reserve mais liberdade e, consequentemente, menos pobreza.