Na véspera da festa, tudo igual na fabriqueta de parafusos.
Torno mecânico, promissórias, chefe carrancudo, salário mínimo sem hora extra.
Mas no dia da entrega do peru de Natal, das palavras de fim de ano do Doutor Apolônio, o patrão, e da entrega do amigo secreto, tudo mudaria com a festa de confraternização da empresa.
E como!
Cerveja “de balde” e churrasco de “picanha” “a rodo”.
E Doutor Apolônio estava irreconhecível.
De camiseta do Fiuk, cavada e cor berrante meio color block, suadíssimo, sua barriga imensa ficava ainda mais protuberante.
Ele mesmo, em pessoa, de mesa em mesa cumprimentava cada funcionário e a dava tapinhas nas costas com uma das mãos, já que a outra estava colada ao copo cheio de uísque... saudação recebida com espanto dos muitos que ao longo do ano não recebiam sequer um bom dia do empresário...
Dona Gisela, a secretária mais chata e mais feia do mundo, de repente sumiu do salão do restaurante contratado para a comilança festiva.
Por uns 40 minutos, a bruaca desapareceu dos olhares de todos.
Coincidentemente, o Jorge Silveira, negro retinto, alegria em pessoa, auxiliar do almoxarifado também alcunhado de “Jorjão da Vara” pelos colegas do vestiário, tomou chá de sumiço ao mesmo tempo... voltaram os dois quase em simultâneo, com minutinhos de diferença, vindos da mesma direção.
Ele amarrotado, ela descabelada. Que coincidência!
No dancing, o Seu Arlindo, contador da firma, era só empolgação.
Fez de tudo com o quadril quadrado e seco que possuía.
Do “rebolation” ao “tche tchererê tche tchererê tche tchererê tche tchererê tche tche tche...”.
Perfomance invejável.
Nem a madona Carla Perez superaria aquela desenvoltura de glúteo. Mas logo Seu Arlindo, que se dizia pastor da Igreja do Santo Sepulcro Caiado da Salvação Terrena Divina do Senhor Celestial?
O que umas doses de “ponche” não faziam?
Surpreendente fora também a reconciliação entre a Izilda, chefe do setor de serviços gerais e a Cacilda, copeira fundadora da companhia.
Odiavam-se.
Mas na confraternização, amigas secretas reveladas, eram só beijos e “tricot”. E haja fuxicar a festa inteira.
"Desceram o sarrafo" e maldisseram os podres dos 89 funcionários da metalúrgica.
Haja fofoca e maledicência, garantida pela amizade "de infância" que ali ressurgira, pelo menos só naquela noite.
E o talento oculto revelado? Não se sabe quem, mas alguém teve a infeliz idéia de alugar um videokê, oportunidade única para os inimigos do ritmo e da canção.
Sebastião, do setor de transporte, Dona Marivone, do RH, e Miltinho, office-boy, literalmente “arrasaram” em desafinação e no pout pourri. Uma tragédia sonora, aplaudida freneticamente por todos os funcionários ali confraternizados.
No final da festa, o discurso do Doutor Apolônio foi apoteótico.
“Trêbado”, cara de “manguaça”, inexplicavelmente falou por 10 minutos com olhar em um ponto fixo: as pernas da Rita, da Ritinha, moreníssima estagiária do setor financeiro, 19 aninhos, que esqueceu a saia em casa e foi para a festa vestida só com o cós.
Na revelação do amigo secreto, até choro teve.
O Gualberto, da área de fresamento, conhecido como “Seu Lunga” da firma, parecia a Felícia do salão. Apertava, abraçava, esmagava e “amava” todo mundo, exalando um odor nada agradável inclusive de uma boca já apelidada de “fossa do Lunga” pelos 12 funcionários do departamento.
E todo mundo feliz, ao som de, “Amigos Para Sempre”, ficaram até umas 2 da manhã na festança, para desespero e ira dos garçons do restaurante que não agüentavam mais ... mais uma festa de empresa em fim de ano.
No outro dia, na fabriqueta de parafusos, tudo igual.
Torno mecânico, promissórias, chefe carrancudo, salário mínimo sem hora extra.
Até o próximo espírito natalino se apossar da corporação, em dezembro de 2012.
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