O Sebastião era metido a cantor e não podia participar de festa, casamento, velório, cachaçada ou nenhum outro tipo de reunião social ou hora solene.

O porquê?

Porque sempre queria dar uma “palhinha”.

Se tivesse viola, pandeiro, tamborete, caixa de fósforo então! Aí é que abusava. Kara ou videokê era perdição. Enchia a paciência até umas horas!

Sem instrumento, à capela, também fazia “bonito”.

E sua voz, mistura de Cauby Peixoto com gripe e Joelma do Calypso “naqueles dias”, era digna de trilha sonora de filme de terror.

Tião era “gordo” embolado, mulato com cabelo tipo “carraspinha”. Deixou crescer a juba e se dizia “cover” do Tim Maia. Achava-se o máximo e seu sonho era participar de programa de calouro no centro-sul.

Era brasileiro e não desistia nunca.

Todos receavam em lhe convidar. Sabiam que, no final do “evento”, iria arrumar um jeitinho para cantar uma canção. E tinha, sempre, o “pout pourri” adequado.

Se era amigo secreto, terminava com “Amigos para Sempre”. Reunião na faculdade, “Coração de Estudante”. Em funeral, rebuscava e engrossava a voz, cantando qualquer uma que falasse de despedida ou do falecido, a depender da situação e da condição do finado.

Foi o que aconteceu no enterro do Jurandir “Mamado”.

A alcunha já dizia tudo sobre o dito cujo. Causa mortis, excesso de álcool no organismo. Seu café da manhã era “meiota”, no seu almoço era “tubo” completo e no seu café noturno era só “umazinha” para não desrespeitar o santo.

E o defunto era “nó cego” todo. Metido a agiota, arruaceiro, valentão grosso e bravo. Caloteiro e velhaco, não pagava ninguém. “Cabueta”, entregava todo mundo e também era metido a galanteador de mulher alheia. Mau colega, fazia trapaça e sempre queria se dar de bem. Chumbeta de polícia, só andava armado até os dentes, dando desacerto no povo.

Era odiado! Mas como todo morto vira santo, no seu velório era comoção total.

Na Central de Velórios, viúva inconsolável... e amantes também. Sim, porque tinha a Cicinha Marisqueira, habitante do Vergel. A Dora, servidora da Secretaria de Saúde do Município. A Tina, ex-garçonete do “Pai Velho” Mossoró, que ele conhecera ainda adolescente. E a Vanessinha, “pitéu” de 22 aninhos e mãe do “Junior Mamadinho”, bebê a cara do “painho” malino.

E mais: tinha toda a parentada de Jacaré dos Homens, que lotou vans e mais vans do sertão para homenagear o Mamado, filho ilustre e temido da terra. O pessoal do “racha”, do qual Jurandir era sócio vitalício. A equipe da rinha de galo, o pessoal da banca do bicho, e a galera da “boca”... todos presentes.

Também estavam os filhos do Jurandir. E eram muitos viu.

Sebastião não foi avisado da morte do “amigo”. Soube por meio da “fofocagem” da rua das Árvores, onde ganhava uns trocos como “crooner”, toda sexta-feira à noite, em boate onde mulher decente evitava entrar e passar na porta.

Saiu consternado de manhã cedinho, porque não queria perder o enterro que seria às 9 da manhã no São José. Foi correndo para o Trapiche. Chegou lá com o caixão sendo fechado e com o desespero de todos diante daquele triste ritual.

Quando viu a cena, entrou em transe. Não podia deixar de fazer sua última homenagem.

Foi quando interrompeu a fala do padre, na capela apertada. Botou a mão no peito, estufou e, concentrado, começou a cantoria em memória do falecido. Tinha preparado versão de conjunto em tom fúnebre, com voz meio Nelson Gonçalves, meio Altemar Dutra.

E disparou:

“Você meu amigo de fé meu irmão camarada, amigo de tantos caminhos de tantas jornadas...”

A choradeira só aumentou.

Tião “se achou”.

E desembestou.

Mas a próxima canção, não agradou:

“Você com revólver na mão é um bicho feroz (Feroz....!!!!!)
Sem ele anda rebolando e até muda de voz
(Isso aqui...cá pra nós)...”

E a seguinte, então, fez o show desandar:

Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Tudo que eu queria
era saber Porquê?!?
Tudo que eu queria
era saber Porquê?!?

Foi quando Tião foi forçado a parar com a cantoria, acometido e atingido por uma tampa voadora de caixão despencando e se quebrando em sua cabeça. Foi tanta “lapada” que o tempo fechou. Dizem que até o defunto se mexeu, irado com as homenagens.

Pela Siqueira Campos, Prado a fora, uma multidão corria atrás do Tim Maia de araque.

O coitado perdeu uns 5 quilos na carreira.

Só parou na avenida da Paz, quando teve certeza de estar fora do encalço de parentes e amigos ensandecidos do finado.

Nunca mais ousou abrir a boca em comemoração ou em momento solene.

 

 

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