Só usava roupa “social” e a capa preta do Antigo Testamento já estava desbotada de tanto ser alvo de quentura de sovaco.
Era daqueles crentes “fundamentalistas, xiitas, ortodoxos, ultraconservadores, mais cristão que Jesus Cristo, com perdão da blasfêmia”.
Orgulhava-se e estufava o peito em dizer: casara-se virgem, pagava religiosamente o santo dízimo e jamais, nunca, em momento nenhum de sua vida tinha botado uma gota só de álcool na boca.
Este era o Tião, viúvo há uns três anos, porteiro de prédio na Ponta Verde, metido a dar rela em moradora donzela que se “insfregava” com namoradinho no hall do prédio. Crítico ferrenho de “safadeza” e “sem vergonhice” alheia.
Naquela manhã de domingo, largou do plantão do sábado e se foi, Bíblia suarenta e camisa de manga comprida com calça de tergal, pegar o primeiro Benedito Bentes que aparecesse.
Foi quando soube no ponto de ônibus que, naquele dia, a orla seria invadida por “gente alegre”.
E decidiu ficar para tirar aquele bando de “encosto” em cima de “cabra macho” desviado do caminho santo da reprodução, do matrimônio e da Lei de Deus.
Decidiu-se: iria participar da Parada Gay para fazer a conversão e executar a multiplicação de ex-“ômisséquissual”, como ele dizia.
E lá se foi Tião, esperar o evento, sua chance de pregação e de “transformação” em massa.
Aos poucos, um a um, membros do movimento LGBT... ABCDEFGHIJ...TUVXZ chegavam.
E haja palavrório do Tião.
– “Gizúis Pai Celéstiá, livrai dus spritu da furnicassão as ovêia disviada. Ó Puderoso”, berrava!
E não parava de chegar gente. Era homem, mulher, família, criança. Todos juntos, na celebração da diversidade. Mas, para Tião, todos juntos no “disfíli” que era coisa do “Tinhoso”!
Sol a pino, Tião já com sede, gritando em seu esforço de catequese:
– “Ó Pai! Ó paí Ó! Sinhor Gezúis, avorrai ó Pai, dirrama sinhô”!
Foi quando uma “loirinha” de vestido longo colorido, bem maquiada e de salto alto encarnado, começou a prestar atenção na pregação do pastor da Parada.
Solícita, ofertou “suquinho” de caju para o Tião.
– “Irmã, qui azidumi é esse ó abençuada”?
– “Tião irrrrrrrmãooooooooo, é o ranssssinho do cajuzinho, lindinhoooooooo” respondia a irmã”!
– “Óbrigadu irmã Sheyla Jocasta” agradecia o porteiro, dando bicadas e mais bicadas na batida “levíssima” de caju com Pitu.
E a cada “flash” e a cada “fechação”, era um sermão do Tião.
– “Ó Miséricordiosu, ó suberânu, sei que pódis sinhô, só tu ó pai prá fazer voltar ex-hômi”.
Trios elétricos, bandeira do arco-íris, horas de “I Will Survive” e Tião firme a berrar no púlpito improvisado nos Sete Coqueiros.
Mas, com o passar do tempo e com o “suquinho da Sheylinha”, já não estava tão firme assim.
Para falar as verdade, às onze e meia já se fazia “neném”, efeito do “ranço” do caju. Passou a confundir Jesus com Genézio. Os olhos dançavam. Só via um caleidoscópio gigante na sua frente.
Foi “endoidecendo”, com a irmã “Xêu” cada vez mais perto. Até que o inevitável aconteceu: um beijo de cinema entre o crente e a irmã que, por milagre do “sinhô” fora colocada ali para junto com o pastor desfazer o mito de que não existe ex-“ômisséquissual”.
Foi a Parada passando para o Tião, “trêbado” e alterado, atracar-se em definitivo com a “galeguinha filéu”, apalpando-lhe as partes e sentindo um “volume” e uma “pressão” que nunca tinha sentido antes com a falecida.
Saíram da Pajuçara e foram direto para a casa da “irmã” que, solitária, morava no Bom Parto.
Fizeram amor a tarde inteira. Ele, meio “grogue”, mas descontando o triênio de viuvez de uma forma como nunca tinha feito – nem poderia – com a finada Neuzinha.
Hoje Tião é outro.
Abandonou o Benedito Bentes, continua na igreja, porém com mais “moderação”.
Casou com a “irmã” Sheyla Jocasta.
Porém casório só de boca.
Agora com jurisprudência firmada, quer oficializar a situação. Quer ter certidão de casamento com o nome do casal estampado: Sebastião Oliveira de Assis e José Francisco Nepomuceno Dantas.
José Francisco que, para ele, sempre e para toda a vida, será a sua “Xêuzinha”.
Sigam-me no @weltonroberto
Contra a Homofobia!