Agora seria a sua vez!

O olho dele não desgrudava da Isolda, mesmo quando ainda era vivo o já falecido.

Sim, Isolda enviuvara.

Morrera Carlão, biriteiro refinado, jogador de baralho fino, “raparigueiro”, gigolô e cafetão de mulher da vida, metido em contravenção, compulsivo por rabo de saia.... e esposo da beldade mais desejada da Vila de Encarnação.

E já passara da hora de Juanito se dar bem.

Respeitoso, bom pagador e temente de Deus, apoiou o luto choroso da morena, sempre dando pêsames com ombro amigo e com as “partes” ainda mais desejosas por “amizade”... esperou três meses, um ano e pouco mais, viu passar o carnaval e a Semana Santa... e atacou aquele corpão.

E para sua surpresa, a “receptividade” fora total.

No vigor dos 40, Isolda queria era “chumbregar”. E como “chumbregava” a viúva, sedenta e saudosa do Carlão! Filhos criados, dinheiro da alfazema e da cinta liga garantidos pelos trambiques feitos em vida pelo marido, Isolda era um vulcão. Para deleite do Juanito.

Só tinha um detalhe. A foto do “finado” tinha que estar presente.

Como assim?

Simples: se ia para motel na beira da rodovia, levava porta retrato escondido na bolsa. Na hora do “vamos ver”, Carlão, de terno e gravata e placa com data no 3X4 ampliado, bigode grosso e cara de sacana, vigiava o ato de libidinagem. Inteirinho...

- Mas qual razão? Questionava o Juanito.

- Odiava a idéia da traição? Retrucava Isolda.

Era viúva, mas continuava esposa, respeitadora do homem que nada valia para as outras, mas para quem ela conscientemente jurou santa fidelidade, argumentava a mulher.

Estava ali para suprir a fome da carne, mas não para matar a luz do espírito. E Carlão, bom finado em morte assim como bom amante em vida, tinha que ver tudo para compreender, e assim perdoar e deixar acontecer. Dar “benção” à copulação.

Na primeira vez, Juanito achou estranho. Mas a “vontade” era tanta, que tentou não ligar.

Mas nas demais... ficou insuportável a cara de Carlão, séria e compenetradamente salafrária, a fitar o “desempenho” do casal ...

No quarto de Isolda, ou melhor, de Isolda e ainda de Carlão, era retrato do finado em todas as paredes. Vigilância total. No motel, como já dito, era porta retrato posto em cima da penteadeira, do lado da hidromassagem, em cima da pia do banheiro...

E se a “safadeza” fosse na casa do Juanito, a imagem de Carlão também se fazia onipresente, carregada e instalada por Isolda.

Passou-se o tempo, o namoro engatou. Não era mais às escondidas a relação e o antes “ficante” foi efetivado no posto. O caso e a pegação viraram namoro, transformaram-se em noivado e iam dar em casamento. Tudo nos “trinques” e nos conformes.

Foi quando Juanito fez imposição: ou ele, ou a foto.

Sim, ainda quando era tudo “vadiagem”, menos mal a mania estranha da agora noiva, futura esposa. Mas prestes a casar, não fazia mais sentido a louca obsessão.

Ele, Juanito, seria oficial, titular, capitão do time. Carlão fotografia e vigarista passaria à suplente, regra dois, vice meramente decorativo. Não tinha como perdurar aquela situação vexatória, para ele futuro marido e digno mandatário da “nova direção”.

Ou Isolda bania a foto do finado do ninho de amor, ou nada de casório.

Isolda concordou. Afinal, era tudo ou nada.

Rasgou fotografia, quebrou retângulo de madeira fixador da imagem, desfez-se do 3X4 e da maioria dos negativos reserva. Fez a limpa na casa, na estante. Diante da cama, nada de avatar do falecido.

No casamento, festança, choro de emoção. Lua de mel seria em praia do litoral, “rézorte” cinco estrelas, presente de padrinho.

Na suíte decorada e com garrafa de champagne, Juanito nem esperou nem banho, nem nada. Tomado por paixão e luxúria, e certo da não existência da fotografia, fez amor com gosto e com fervor.

Passaram um final de semana de pecado nupcial, longe os olhos protetores e “autorizativos” do defunto.

Quando voltaram, Isolda pediu separação. Queria o divórcio, anulação do matrimônio, manter distância do Juanito.

Preferia ficar longe do marido concreto e atual a perder de vista o marido único e abstrato, pura miragem e só isso.

Juanito se desesperou. Não queria perdê-la.

Partiu para a solução dolorosa, mas essencial.

Recuperou imagem antiga. Fez pôster com a cara do malandro morto. Pendurou em parede do quarto de frente para a cabeceira do leito.

Passou a fazer amor com a imagem de Carlão, nítida e bem definida, o instigando ao sexo mais despudorado, e permitindo a Isolda ser possuída pelo homem que, em carne e osso, passara a ser seu.

De vez em quando, no momento mais quente, jurava ver piscadela saindo do olho malicioso que pulava da foto, envolto em sobrancelhas grossas, másculas, viris.

Paranóia? Macumba? Alucinação?

Não sabia bem o que era. Só sabia que era a condição de ser visto que se impunha por crença exacerbada de uma viúva de carne santa, e por sem “vergonhice” descomunal de uma alma depravada.

 

 

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