Diante do que define como um cenário de maior "incerteza" sobre a recuperação global, o FMI (Fundo Monetário Internacional) rebaixou nesta terça-feira suas projeções de crescimento para a economia mundial.
Segundo o relatório World Economic Outlook (Perspectivas da Economia Mundial, em tradução livre), o crescimento global neste ano será de 4%, queda de 0,3 ponto percentual em relação à última projeção do FMI, de junho. Para 2012 a projeção também foi reduzida para 4%, com queda de meio ponto percentual.
A revisão para baixo foi puxada pelo agravamento da situação nos EUA e na Europa e afeta não apenas a projeção para o crescimento global neste ano, mas também quase todos os países analisados individualmente --entre as principais economias listadas pelo FMI, a perspectiva foi mantida inalterada apenas para a Espanha e elevada somente para o Japão (em 0,2 ponto percentual).
A expectativa de crescimento para o conjunto das economias avançadas caiu 0,6 ponto percentual, para 1,6% neste ano, e 0,7 ponto, para 1,9% em 2012. No caso dos países emergentes e em desenvolvimento, a redução foi de 0,2 ponto percentual, para 6,4% neste ano, e de 0,3 ponto, para 6,1% no ano que vem.
O Brasil teve sua projeção reduzida em 0,3 ponto percentual, ficando em 3,8%. A Rússia, em meio ponto, para 4,3%. Até mesmo os outros dois Brics que costumam apresentar crescimento vigoroso, China e Índia, tiveram suas previsões de crescimento revistas para baixo: 0,4 ponto percentual no caso da Índia, com expectativa de avanço de 7,8% neste ano, e 0,1 ponto para a China, com projeção de crescimento de 9,5%.
ENFRAQUECIMENTO
Entre as causas apontadas pelo FMI para a piora nas perspectivas globais está a redução do ritmo de recuperação das economias avançadas, aliada a um grande aumento nas incertezas fiscais e financeiras, mais pronunciado a partir do mês passado.
"A atividade global se enfraqueceu e se tornou mais irregular, a confiança despencou recentemente, e os riscos de piora estão aumentando", diz o relatório, ao prever uma expansão "contínua, mas fraca e instável".
"O crescimento, que foi forte em 2010, foi reduzido em 2011. Essa desaceleração não causou muita preocupação inicialmente", disse o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, ao apresentar o relatório.
Blanchard afirma que eventos como o terremoto seguido de tsunami no Japão e a instabilidade em países produtores de petróleo no Oriente Médio e no norte da África ofereciam explicação plausível para a desaceleração. No entanto, segundo o economista, os números agora comprovam que a situação é pior do que se pensava.
"Mesmo nas hipóteses mais otimistas, o crescimento nas economias avançadas vai permanecer baixo por algum tempo", diz Blanchard.
ESTADOS UNIDOS
Em meio a esse cenário generalizado de piora, os Estados Unidos foram os que mais tiveram suas projeções de crescimento para 2011 reduzidas, com queda de um ponto percentual em relação ao relatório de junho (só comparada à registrada pelos países do centro e do leste da Europa).
O ritmo já lento com que a economia dos Estados Unidos vinha avançando foi prejudicado ainda mais com o impasse político em torno de um acordo para reduzir o deficit recorde do país, levando o FMI a rebaixar a previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) para 1,5% neste ano e 1,8% em 2012.
"Profundas divisões políticas tornam altamente incerto o curso das políticas nos Estados Unidos", diz o relatório.
No início de agosto, depois de semanas sem sucesso nas negociações e diante do risco de um calote inédito por parte dos EUA, Casa Branca e Congresso chegaram a um acordo para elevar o teto da dívida pública.
Mas a demora para resolver o impasse foi um dos motivos que levaram a agência de classificação de risco Standard & Poor´s a rebaixar a nota do país.
Além disso, as divisões entre democratas (que controlam o Senado) e republicanos (no controle da Câmara) permanecem e dificultam um acordo para solucionar o problema do deficit no longo prazo.
Nesta segunda-feira, o presidente Barack Obama apresentou um plano para reduzir o deficit do país em mais de US$ 3 trilhões (cerca de R$ 5,3 trilhões) nos próximos dez anos, mas a previsão é de que a proposta encontre resistência no Congresso.
ESTÍMULO
O problema político serve para agravar um cenário que inclui altas taxas de desemprego (que há dois anos permanecem em torno de 9%), um mercado imobiliário enfraquecido e deterioração das condições financeiras.
"As principais prioridades para os EUA incluem criar um plano de consolidação fiscal de médio prazo para colocar a dívida pública em uma trajetória sustentável e implementar políticas para sustentar a recuperação", diz o FMI.
De acordo com o relatório, os problemas na economia americana são tão graves que exigem mudanças drásticas na política macroeconômica, como uma reforma tributária, com o objetivo de criar mais espaço para que a política fiscal possa sustentar a recuperação no curto prazo.
Os riscos de piora na economia americana também são tão grandes que o FMI recomenda ao Federal Reserve (o banco central americano) que esteja preparado para implementar mais medidas de apoio.
Desde a crise de 2008, o Fed já lançou duas rodadas do chamado relaxamento quantitativo, medida pela qual injetou mais de US$ 2 trilhões na economia por meio da compra de títulos do Tesouro de longo prazo. Há atualmente a expectativa de que anuncie uma nova rodada do programa.
EURO
Como maior economia do mundo, os Estados Unidos teriam o poder de arrastar o resto do globo no caso de uma nova recessão.
"Os estragos nas demais economias seriam significativos", diz o relatório, ao considerar um cenário em que Estados Unidos e a zona do euro mergulhassem em nova recessão.
Com diversos países enfrentando crises de deficit e dívida pública e alimentando incertezas nos mercados mundiais, os problemas da zona do euro correm o risco de "sair do controle das autoridades", segundo o relatório.
O FMI reduziu a projeção de crescimento para a região neste ano em 0,4 ponto percentual, para 1,6%. Em 2012, o crescimento deve ser de 1,1%, queda de 0,6 ponto percentual em relação à estimativa do relatório anterior.
Nem mesmo os emergentes, que até agora parecem imunes aos problemas das economias avançadas, estariam livres de contágio.
"Sob cenários de risco, eles podem sofrer com condições mais adversas às exportações e com fluxos de capital ainda mais voláteis", diz o documento.
REEQUILÍBRIO
Ao analisar o cenário sombrio para a economia mundial, o economista-chefe do FMI cita a necessidade de retomar as ações de reequilíbrio interno, deixando que o estímulo fiscal dê lugar à demanda privada, e externo, com países com grandes déficits em conta corrente compensando a baixa demanda doméstica com o aumento nas exportações.
Esse último implica que mercados emergentes com superávit --caso da China-- troquem as exportações por maior demanda doméstica.
"Esse reequilíbrio não está ocorrendo", afirma Blanchard. "Olhando para a frente, a previsão é de um aumento em vez de uma redução nos desequilíbrios."
Blanchard cita ainda um círculo vicioso, pelo qual o baixo crescimento torna mais difícil para os países atingirem a sustentabilidade de suas dívidas, o que, por sua vez, leva os mercados a se preocuparem ainda mais com a estabilidade fiscal.
O economista alerta que os países têm diante de si o desafio de promover uma consolidação fiscal que não seja nem tão rápida a ponto de matar o crescimento, nem tão lenta que possa colocar em dúvida a credibilidade.