Era metido a valente, meio covardão.

Batia em menino, homem barbado, moço atrevido, com ou sem justiça.

Evitava dar em mulher, mas se preciso fosse, “comparecia”.

Não viessem a ele com “mas mas”, futrica ou, na visão dele, zoada infeliz. Era desacerto na certa, certeiro e contundente.

Na cidade, todos conheciam sua fama.

Valentão, marrento, “malino”.

Já tinha dado esculacho e tapa na “fuça” do João do Gás, por causa de troco no botijão. O Carmelo, manso, também já tinha levado sua “voadora” por suposto olhar de cobiça aos quartos da Das Dores, esposa do “destemido”. Com o Geraldo, idoso setentão, dono da marinete, já tinha se estranhado também, só não ocorrendo “alteração” por conta da turma do “deixa disso”, que o impediu de partir para as vias de fato motivado por chiste com sua fama de topa tudo.
Juventino era assim: temido, vilão.

Manequim bem dotado, dono do açougue, negro retinto sempre banhado de sangue de gado. Do balcão, já intimidava. Impunha respeito no estabelecimento e na vila. Mulher desonrada sabia a quem recorrer, caso algum gatuno covarde esquecesse dele antes de deflorar donzela. Fosse ou não verdade a “desvirginação”.

Tomador de cachaça “abusado” evitava biritar próximo ao matadouro e, com a Das Dores, não valia nem espreitar aqueles quartos redondos, mulatos e enormes com o canto de olho. Orador de igreja pregava à distância do seu comércio... senão, era rasteira e “tapona” do irado herege.

Talvez sua fama fosse maior que sua real coragem. Mas que aceitava o desafio de desafiar?

Ficar “apanhado”?

Destino deste ninguém queria não.

Naquele dia, Juventino amanheceu amolado. Aliás, todo dia, era um ritual. Acordava ainda na transição da lua para o sol, e sob o limiar meio alaranjado embelezava o facão no esmeril... meia hora de amolação, religiosa, antes do café feito, sem falta ou atraso, pela devotada esposa.

Saia antes das 7 e abria o comércio pontualmente as 7 e meia. Como cliente só chegava a partir das 8 – exceto em dia de feira – cortava os bois recém finados em partes para a clientela: picanha, chã de dentro, alcatra, osso buco e bife paulista... precisão cirúrgica daquele de braveza tal qual siri na lata, de mão dura que nem pata de cavalo bretão.

Faca amolada, fé cega.

Saiu de casa, beijou a mulher, dirigiu-se para o comércio. Ia a passos lentos, no andar de quem andava sem medo de credor de atalaia. Ia livre, leve, solto em despreocupação. Peixeira reluzente – e gigante – na cintura, protegida pela tatuagem de galo que imprimira no baixo tórax, resquício da época de freqüentador de rinha.

Ia, sem medo, cabeça baixa mirando o chão, absorto nos pensamentos de como cortar, com ímpeto e sem dó, o naco da maminha, desvencilhando-a do acém sem osso. Pensando na Das Dores, com seu andar cabisbaixo não por medo, mas por certeza da imunidade e do “respeito adquirido”.

Foi quando, ao dobrar confiante a quina da Casa Lagos Material de Construção com a Quintandinha do Noca, na cidade que ainda acordava a passos lentos, tudo ocorreu.

Não vira rosto, nem tamanho ou cor do punho cerrado. O inimigo o espreitava bem naquela quina. Fui tudo em milésimo, instantâneo. Mão invísivel ou “irrecordável”, mas pesada e pontuda.

Quando dobrou a rua entre as paredes, na vila recém saída da cama, só sentiu o baque, a queda, e o vulto a correr.

Desmaiou.

Nocaute.

Uns 5 minutos a ver passarinhos.

Uma mão forte o acertara, fechada e com gosto, no olho esquerdo. O edema veio na hora e a pele negra ficou diferente na área afetada: roxa e gordíssima, saltando para fora, a denunciar em alto em bom som a agressão de cabra macho, soco, porrada, murro bem dado na cara do Juventino.

Foi um alvoroço.

Das Dores, chegou gritando, mas sossegou ao chegar e ver o marido vivo, mas de olho roto, vermelho mais que sangue de boi, “roncha” na cara gigante.

Quem fora o ousado?

Ou abusado?

Ou o vingador?

João, Carmelo, Geraldo... Abdias, Zé de Marlene, Furão, o menino Goiti, Cumpadre Altino, Marlúcio, Marinho “Prestamista”, Gil Boca... e todos os demais “apanhados” de Juventino tinham álibi para aquela manhã.

Na rua semi vazia ele não viu seu algoz, e quem viu se fez silente com testemunho ignorado.

Foram uns quinze dias de humilhação no açougue, até o inchaço e o hematoma sumirem.

Já o comentário de escárnio e comemoração coletiva durou uma eternidade.

Acabou com a “brabeza” do homem, que nunca mais esmurrou, sequer, o vento da rua.

 

 

Estou no @weltonroberto. Vamos "tuitar"!