Era seu primeiro filho.

No dia que Dorinha, sua amada esposa, contara da gravidez "inesperada", Cornelius não se conteve de tanta alegria e emoção.

Já tinham completado mais de 20 anos de casamento e nada de filhos, o que lhe rendera apelidos nada honrosos entre seus colegas de repartição, futebol, cervejinha e afins.

Era um tal de "pau de vento", "pau oco", "mortalha"... mas o que mais lhe chateava era o de "Papai Noel", pois jurava que o dele era roxo de verdade e não de brinquedo.

Já havia boatos de que era homossexual e o casamento era uma farsa. “Quem sabe agora depois da decisão do STF ele sairia do armário...”, comentavam as boas e más línguas.

Mas não era nada disso. O sofrimento de anos de tentativas e resultados zero lhe afligiam, profundamente. Todos os seus onze irmãos já tinham dado vários netos ao seus pais, só ele que continuava a contabilizar sobrinhos, sobrinhas e nada de filhos.

Dorinha jurava que o problema não era ela e ele jurava que o problema não era ele.

Cornelius sabia que eram os seus espermatozóides que dormiam em “saco” esplêndido, tudo devido a um exame secreto que fez com a ajuda de um médico amigo da “pelada” de fim de semana.

O exame apontou para a absoluta esterilidade devido a problemas genéticos e cromossômicos, em face da conjunção de fatores fisiológicos, extranaturais e lunares.


Tinha nascido em noite de lua cheia, sexta-feira treze em ano bissexto.


Pronto! Ninguém poderia ser filho do "homem da lua demoníaca".


Era uma maldição, acreditava Cornelius.

Durante vários anos procurou ajuda, tratamento espiritual e religioso. E nada.


Finalmente depois de muita catuaba, reza, "benzedeira", chás milagrosos, promessas, terapia do fogo, da pinça, da agulha localizada, do ferro incandescente, sessões em mesa branca, candomblé, igrejas evangélicas “reze e pague”, pentecostais, católicas apostólicas romanas, protestantes, enfim todos os santos e pajelança, ele conseguira engravidar a esposa.


Não sabia exatamente a quem atribuir o "milagre" da criação. Achou, enfim, que Jesus tinha sido o responsável, e lhe renderia a homenagem caso fosse um verdadeiro varão a honrar a família dos "Gaia de Ponta Grande".


A notícia sobre o herdeiro ele não escondeu de ninguém. Fez festa na repartição para contar a todos, pagou homéricas rodadas de cerveja durante os nove meses da gravidez de seu herdeiro na pelada de final de semana, mandou colocar na coluna social a vinda do rebento, comprou charutos cubanos e já tinha até separado terno completo do glorioso Botafogo para presentear seu primogênito ou primogênita.

Acompanhou o pré-natal da esposa como se ele fosse o "grávido". Ultrassonografias coloridas, em HD, em 2 D, em 3D revelaram o sexo do bebê e outras coisas estranhas ao "papai do ano".


Além de varão, o menino tinha uma cabeçorra enorme, pés e mãos grandes, era um bebê gigantesco para fazer frente aos sofridos 1,63 metros do pai...

Era um verdadeiro milagre!

Seu nome: "Gizúis Salvador Gaia Ponta Grande", também em homenagem ao Senhor, pois grafia idêntica seria sacrilégio pensou.

Vai que seu filho também nasceria com a maldição da lua cheia de ano bissexto demoníaco.

Cornelius também estava grávido.


Sentiu enjoos, náuseas, desejos estranhos à noite de comidas exóticas: tijolo com macaxeira cozida, pasta de dente com abará, feijão gelado com pipoca queimada, tudo isso acompanhado de cerveja "Devassa" ao embalo das músicas de Sandy (e de Júnior, é claro).


(Não tentem isso em casa, os efeitos colaterais parecem ser "devassadores")

Enfim o grande dia chegara. Dores de parto intensos, Dorinha teve os sinais do nascimento de "Gizúis".


Correram para a maternidade que já tinha sido reservada com meses de antecedência. Camisa do Botafogo, terço na mão e orando, foi Cornelius para o seu grande dia.


E enfim nascera Gizúis. Olhos azuis, galego, 4,5kg, 60 cm, alvinho alvinho, e com dimensões físicas de um digno menino europeu.


Cornelius, 1,63 metros, mulato, olhos negros cor de jambo, cabelos carapinha, olhou para Dorinha na maternidade e mais uma vez agradeceu àquela obra do Espírito Santo, que mais tarde apareceria no hospital disfarçado de médico para visitar seu filho biológico.


Era um milagre.
 

 

 

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