Sim, era a musa da construção. Com seu micro “xórtis”, fazia a entrega das quentinhas da “peãozada”. E era uma atração a parte no canteiro de obras de mais de 400 operários.
Tinha 23 aninhos, parecia modelo... pela morena bronzeada e com todos os atributos da devassidão.
Pernas longas, coxas torneadas, seios “irrepreensíveis” à exposição em decote da microblusa, boca provocante, pés lindos em salto de mais de palmo, com unhas sempre “encarnadas”.
Uma mistura de índia com mulata, de traços exóticos e excitantes, tropicais, devastadora. A imagem do diabo em forma de mulher.
Ninguém deixava de olhar! Ninguém parava de cobiçar.
Quando a Kombi da empresa fornecedora de alimentos estacionava, os trabalhos eram interrompidos. Era hora da “bóia” e da excitação.
Como será que ela vem hoje? Qual será a “roupinha”? Será que se bronzeou mais, com marquinhas de biquini aparentes? E a calcinha, será que está à mostra?
Era um alvoroço.
Até que um certo dia ela chegou diferente. Irreconhecível. Meio calada, mais tímida. Mais introvertida que o normal. Todos estranharam.
Aquela não era a Deusinha de sempre.
No outro dia, mais introspecção. Cordialidade tinha, mas a cara mais fechada e sisuda era a denúncia da transformação e do recato.
A saia já veio abaixo do joelho, numa cor sóbria, discretíssima para seus padrões... sandália rasteira, nada de maquiagem, cabelo preto... e amarrado com “coque” simetricamente em formato circular e bojudo. Sem brinco, sem “volta”, sem pulseira ultracolorida.
No dedo, o anel fino de ouro denunciava: Deusinha se comprometera com alguém. E a alteração na “forma” era o sinal da transformação.
E quem seria o sortudo?
Começaram as especulações...
Foram muitas as hipóteses: o Jaime do almoxarifado já tinho sido visto com mais intimidade com ela. Do mesmo modo como flagraram o engenheiro entregando papelzinho com anotação suspeita para a moça. Seria seu telefone?
Romualdo, segurança de 5 metros de altura e 10 metros cúbicos de músculo em cada braço transformava-se em uma pluma ao falar com Deusinha, e marcava território. O Alfredão da carpintaria, mentiroso e feio que nem filhote de “cruz credo”, vivia garantindo que um dia “iria” “pegar” aquela gazela!
Foram meses de especulação. Sem respostas!
Um dilema que dividiu atenções e motivava especulações, fofocas, teorias conspiratórias, competição internas e desconfianças...
Quem seria o sortudo? Ninguém sabia.
O tempo foi passando e Deusinha não retrocedia em seu novo visual, em seu novo jeito de ser. A obra seguia e o edifício, a cada dia, caminhava para a completude. Acabamento em mármore, retoque na pintura. Moradores visitando a obra em estágio final. Alegria pela entrega do imóvel. A “peãozada” já tinha diminuído em número. Enfim, era o fim.
No último dia do trabalho, as últimas quentinhas. Deusinha foi toda de roupa cinza, meio pálida, “cocó” amarradissímo... Sorriso leve, longe de pecaminoso. Falou com todos. Desejou sorte e saúde.
Mas o mistério continuava. Deusinha, musa da construção, comprometera-se com quem?
Até o dia em que a construtora inauguraria o condomínio. De quase 400 trabalhadores, restaram uns 40 ao final dos trabalhos. O empreiteiro “bom patrão” fez churrasco para “comemorar” o final de tudo. Teve show de pagode, sorteio de ferro de passar roupa e de liquidificador. Todos levaram mulher e filhos. “Boca livre” da boa, muita picanha-acém, cerveja e guaraná.
No final, discurso do empresário e padre chegando para benzer a placa comemorativa e inaugural, a ser revelada no dia seguinte, pelo futuro condômino do apartamento 1252, bloco G4.
O “homem de Deus” atrasara. Só chegou no meio do falatório do patrão. O padre, com tom solene, derramou água benta no metal com letras, nos trabalhadores e famílias.
Ao seu lado, uma freira sorridente, feliz, acenava a todos. As esposas dos maridos que jamais freqüentavam a missa de domingo, mais que surpresas, questionavam? De onde conheciam a religiosa?
É que naquele dia o mistério se dissolvera.
O anel era de compromisso com a Santa Igreja.
Deusinha tinha se encaminhado à vida de oração.
Compromisso com Jesus!
Virara Irmã de congregação católica apostólica romana.
Daí tamanha mudança! Daí tamanha transformação!
Era o padre benzendo e conclamando oração, com Deusinha, toda comportada, a “assessorá-lo”.
O sagrado mistério estava revelado. O sortudo era o “filho” do Homem!
“Marmanjada” em polvorosa e com os olhos, antes de desejo, convertidos em miradas de “respeito” e “santidade”.
Mas, no fundo no fundo, em cada mente de cada “malandro” – do peão ao engenheiro chefe – a imagem era só uma: aquilo que, certamente, escondia-se por debaixo das vestimentas sóbrias da morena.
Um mundo de carne, pecado e prazer. Coisa do Satanás!
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