Amigo Plínio Lins,

Meu intento era solicitar ao gentil Elio Gaspari que este fosse o portador desta missiva.

Mas Getúlio Vargas, sempre persistente e sagaz, ocupa nesta hora o telex municiando este jornalista ítalo-brasileiro com mais uma carta sobre a interminável pendenga sua para com o Carlos Lacerda. Até o Juscelino já desistiu desta briga e está cá com o Tom Jobim a gargalhar...

Mas meu amigo, permita-me ocupar seu tempo com alguns singelos pensamentos meus.

Cheguei aqui em 2002 e, como leitor ávido que és, sabes que quando andei por aí enfrentei grandes debates como advogado criminalista.

A defesa que fiz do Doca Street, assassino de Leila Diniz, foi uma das mais midiatizadas e uma das mais distorcidas pela jornalismo que preza pelo senso comum, o que não é seu caso, como todos aí sabem (e aqui igualmente, bem orientados pelo Freitas Neto que somos... quando vou a Alagoas, não perco suas Conversas de Botequim... a primeira vez que fui foi a convite do Arnon de Mello e apreciei muito a prosa... O Major Luiz e o Aurélio Buarque também estavam lá, e também gostaram...).

Está certo! O movimento feminista “arengou” comigo (toda vez que uso esta palavra o Denis Agra suspira com saudade de casa...), mas jamais perguntou a mim se as cédulas que recebi de Doca Street vieram manchadas de sangue ou eram cédulas assassinas e ímprobas face meu ofício de advogado e diante do ato torpe praticado por meu cliente.

As mulheres discordaram da tese que construí acerca da “legítima defesa da honra”. Mas as feministas não ousaram criticar, questionar ou imputar-me crime, ato corrupto, indigno ou imoral com respeito ao fato de eu receber meus justos honorários pagos pelo homicida confesso. Muito menos fizeram ilações sobre a origem do dinheiro que bancava a minha argumentação, o meu escritório ou meus pagamentos doméstico (Dona Musa, minha mulher, sabe que nossa vida não foi fácil...).

Um grande amigo que fiz por aqui, o criminalista italiano Francesco Carnelutti, vive a me dizer como um professor a um aluno, que “o símbolo do advogado, a sua ética, está sob o signo da humilhação, devendo ele carregá-la como cruz sem ter cometido o pecado”.

Concordo com as palavras do mestre Carnelutti, pois creio que esta é a sina do criminalista: a incompreensão e a confusão que, por vezes, fazem (inocente ou maldosamente) entre criminoso e criminalista.

Meu amigo Plínio, o que querem com esta associação jamais vão conseguir: instaurar uma República no qual o pré-julgamento seja a máxima, com privação do direito à defesa, sendo este direito um bem inalienável à condição humana.

Ninguém questiona se o honorário recebido pelo médico que evita a morte de um assaltante é menos digno, ou se o médico, ao preservar a vida do ladrão, é cúmplice no roubo por ser pago pelo abutre que arrombou o cofre e assassinou o vigilante.

Do mesmo modo, não se exige histórico ou antecedente de licitude acerca de cada moeda que o jornaleiro recebe por exemplar de jornal que vende.

O advogado não defende a prática do crime. O que ele defende é que contra o suposto, confesso, suspeito ou apontado criminoso seja aplicada a legislação vigente, única e tão somente, sem tergiversar quanto às garantias da Lei dos homens. Lei que pode ser falha, mas que é soberana no Estado Democrático de Direito.

E a remuneração por este trabalho é tão justa quanto a percebida em qualquer outra labuta.

Amigo Plínio, compartilhamos o sobrenome, o que muito me honra. Admiro muito seu trabalho e sei de sua correção. Só te escrevo porque o “cabra bom e valente” do Tobias Granja me disse de seus escritos e me recomendou que com você vale o diálogo, homem de idéias honestas que és.

Um abraço afetuoso,

Evandro Lins e Silva