Caros amigos, pesquisando sobre racialismo, encontrei esse belo artigo da professora Yvonne Maggie, titular de antropologia no departamento de Antropologia Cultural da UFRJ.
O artigo está publicado na Revista Interesse Nacional e pode ser lido clicando aqui. Destaquei um trecho dos mais importantes, que retrata bem a gravidade do que os racialistas estão tentando fazer no Brasil.
Anti-Racismo Contra Leis Raciais
Renúncia à utopia possível
Não foi a existência de “raças” que gerou o racismo, mas o racismo é que fabricou a crença em “raças”. A crença em “raças” é credo do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de “raça” nada fazem para eliminar e podem até aumentar o veneno do racismo, que tem como conseqüência o rancor e o ódio. No Brasil, representam, além disso, uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da verdadeira cidadania. É preciso pensar sobre as conseqüências e os perigos dessa opção pela entronização da “raça” nas políticas públicas através de leis.
Os exemplos trágicos da divisão da população com o fim de distribuir direitos segundo a “raça” ou a “etnia”, palavras que servem para essencializar as diferenças, estão ainda muito presentes na memória e na história recente do mundo para que sejam ignorados. A distribuição de privilégios segundo critérios “étnico-raciais” inculcou a “raça” nas consciências e na vida política, produzindo tensões e conflitos que ainda perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica, fragmentando todos os “não-brancos” em grupos étnicos cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos outros lugares, os africanos foram submetidos a classificações étnicas, que geraram lutas fratricidas de horror inimaginável.
O racismo contamina as sociedades quando a lei afirma às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de “raça”. Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de leis raciais baseadas na regra da “gota de sangue única”. Essa regra propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais, culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são, irrevogavelmente, “brancas” ou “negras”. Foi de lá que veio a inspiração das leis de cotas raciais no Brasil. Mas podemos argumentar que, enquanto as ações afirmativas nos Estados Unidos tiveram o efeito de cristalizar a crença nas “raças” branca e negra, aqui no Brasil podem ter a conseqüência de fabricar essas crenças, constituindo uma profecia que se cumpre por si só.
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