Nunca traíra a Marielsa em 43 anos de casado. Conservador e crente xiita, dizia que “chifre” era coisa do “dêmo”.

Na praia, quando ia, Ivonaldo evitava olhar para o lado para não ver a “manifestação viva do cramulhão”.

Na rua, podia passar mulher com saia que era só o cós que ele não virava o pescoço. Se outro olhasse, era esculhambação:

“- Excomungado!”, replicava.

Dizia-se devoto do matrimônio. Mulher, só a santinha de casa!

Até que, após os 60 anos, começou a ter um “formigamento”. Já pensava estar se aposentando das “coisas do fogo”, mas sentiu um “queimor” do inferno dentro de si.

“Queimor” que tinha nome: Cicinha. Nome e “quarto” avantajado. Ao todo eram 19 aninhos e perdição do diabo.

Enlouqueceu!

Mas como “faturar” aquele demônio de mulher sem pecar à vista, sem atentar de público contra o casório de uma vida, sem deixar vestígio. À maneira de um crime perfeito!

Premeditou tudo: Cicinha vendia sapato em loja do Comércio. Já havia rolado “paquera”, troca de telefone, “risinho” daqui, “chumbreguinho” de lá.

Horário de almoço, 120 minutos para refeição. Acima de qualquer suspeita. Era a hora ideal para a pulada de cerca!

A danada era safadinha. Sentiu carência e loucura no coroa sessentão. Viu a chance de ganhar um “troco” por um bom tempo, sendo mateúda do velhote.

Quando ele ia na loja, ela dava lance de decote e falava “coisa suja” bem baixinho, só para ele endoidar.

Ele marcou o dia: seria naquela segunda-feira.

No domingo anterior, foi só purificação e pedido interno de perdão no culto. Na segunda, a carne voltaria a ser fraca. Tinha que mordiscar aquele “galetão”.

O arranjo era assim: pegaria Cicinha na Praça Deodoro, às 12 horas e 10 minutos. Rumariam para um motel na AL 101 Sul, na boquinha do Francês. Em uma hora matariam a fome, em especial a dele... 13 horas e 50 minutos ela estava entregue de volta no Centro e ele entregue de volta à vida de pecador em contrição.

Tudo certo, ele mal dormiu aquele noite.

Cicinha tinha cabelão enrolado, seios fartos e pontudos. Imaginava a oferecida só de calcinha tamanho PPP vermelha, com chifrinho e garfão. Cruz credo!

Na segunda-feira, como combinado, parou o carro na praça. Ficou dentro, de boné, óculos escuros do Stallone Cobra, enterrado no banco do Chevette ano 83.

Pontualmente a musa despontou no horizonte. Estava linda e devassa. Tinha vindo de micro saia, micro blusa, microscópico sutiã e fio dental praticamente invisível... e recheada na boca grossa com batom encarnado cor de sangue.

O formigamento do Ivonaldo virou comichão!

Pelo vidro do carro ele admirava cada passo que ela dava, caminhando como uma eqüina no cio. Ele babava e se imaginava dali a de 30 minutos... Perdoai Senhor!

Foi quando ouviu um “toc” “toc” no vidro do automóvel.

“- Irmão Ivonaldo, a glória do Senhor o trouxe para nossa pregação na praça. Aleluia irmão... Aleluia...” já se ouvia no microfone, com coro de louvor em uníssono ao fundo.

Ivonaldo ficou branco. Como conciliar Cicinha e os irmãos da igreja, que pregavam a palavra do Pai Celeste na Praça Deodoro, justo naquela segunda?

Não teve escolha. Foi arrancado do carro pelo pastor!

Cicinha se aproximava. Viu o “amado” no púlpito improvisado, forçado a dar o relato de fé em alto e bom som! Ela parou na frente do grupo evangélico. Imaginou a “pegadinha” do destino. Colocou dedinho na boca em tom de provocação.

Ouviu reprimenda do pastor!

“- A fêmea do Tinhoso, encarnação de Belzebu, Lúcifer de saia que vai ser enxotada aqui com a força da fé! Irmão Ivonaldo, dê seu descarrego sobre esta infiel...” ordenou o religioso.

Ivonaldo, vermelho e cabisbaixo diante do risinho infame de Cicinha, poderosa e nem aí com a louvação ao contrário do grupo, falou bem baixinho:

“- Xô Satanás”...

E ela saiu rebolando, rindo-se por dentro, frustrada com a escapulida não concretizada, mas certeira de um contato futuro do coroa.

Ivonaldo teve que passar quase a tarde inteira na praça, sob sol escaldante, agarrado à Biblia que deram para ele empunhar e tendo que gritar 3.657.768.998 “aleluias”!!!!

Dentro dele, um “anjinho” dizia “graças a Deus!”. E um “diabinho” respondia “amanhã te pego, abestado!”...

 

Sigam-me: twitter.com/weltonroberto