Quando nasceu, o médico já achou estranho. Foi uma palmadinha, um chorinho e “bruuuuuuuuummmm”. De leve, pequeninho, mas já um “pumzinho”.
Aristides veio ao mundo assim. Tanto que, já na escola, ganhou apelido maldoso: Tidinho do Traque. Coitado! Bullying era pouco! E a peidorrada abonava a alcunha. Doença detectada, mas sem cura, por mais remédio que receitassem. Flatulência, e das “brabas”, dizia o doutor.
Assim cresceu o menino. Em casa, a mãe, por amor, já tinha se acostumado. Nas calças, todas, grudava uma camadinha de espuma. O traseiro crescia, mas abafava o som, e odor.
O menino era brilhante, mas as bufas o retraíam. Estudar, o veneno gasoso até deixava. Mas namorar... aí era o problema.
Na escola, tentou, mas nenhuma menina quis! Teve a Monica, linda, cabelo preto curtinho, bochecha rosada. Ela até achava o Tidinho “bonitinho”, mas a fama de peidão atrapalhou a azaração.
Com a Juliana, no segundo “colegial”, até rolou um beijinho. Mas o cinema estragou tudo. Foram ver “Ghost”. E enquanto do outro lado da tela o fantasma aparecia, do lado de baixo da poltrona o barulho e o cheiro vazavam. Na hora do beijo, no escurinho, Juju ouviu de fininho “bruummmm”. Foi o fim do pré-romance.
Pois bem, Tidinho estudou, formou-se engenheiro. Em trabalho, não parava. A chefia era sempre acionada. O colega “do traque” causava transtorno. Mas o concurso não reprovava quem bufava em excesso e o médico da junta médica deu laudo favorável. Tidinho virou servidor público, o “bufão” da repartição.
Com o dinheiro, economizado pela pouca socialização em virtude das gases, comprou apartamento – com isolamento acústico e cortina de espuma para não espantar a vizinhança – e carrão com teto solar e sachê ultra plus de “Pato Purific”. Era reciclagem total do ar ambiente.
Mas solteiro continuava. Tentava um amor, e sempre seu lado mal-cheiroso vinha à tona. E quando ficava nervoso, era batata. Se era paixão, vinha logo o “bruuuuummmmmmmmmmmnhão”. Nenhuma garota agüentava.
Até que certo dia Marilda tomou posse na secretaria. Seria nova telefonista do setor de recursos humanos. Tinha 15 dias para entrar em exercício. Loira, esbelta, sorriso de modelo, corpo de dançarina do Tchan. Mas recatada, sisuda, fechada. Tímida ao extremo. Tidinho enlouqueceu! Foi amor de imediato.
Só a veria em 15 dias. Mas, como engatar paquera, se, com certeza, seria traque no primeiro diálogo? Aquela deusa grega, naturalmente, gozaria dele, zombaria: “sai daí peidão”.
Traçou um plano. Conheceria os hábitos, as rotinas, o endereço, o perfil. Só se chegaria na moça se certeza tivesse de não levar fora à primeira palavra, ao primeiro pum.
Descobriu endereço, página em rede social, currículo completo. Ficou de atalaia na rua da misteriosa galega, dias a fio, atrasando o trabalho. Mas de casa ela não saia. Buscou informações com vizinhos, que eram categóricos: “da Marilda ninguém chegava perto”.
Ficou triste. Sabia da solteirice da mulher, mas com certeza ela buscava partidão. E não um rojão fedido ambulante. Ficou ainda mais desesperançado quando soube que a moça não gostava de conversa longa. Na repartição, onde trabalharia dali a pouco, ela fez exigências à chefe: sala solitária, com janelão e ventilador, cadeira fofinha e placa na porta: “Não Perturbe”.
Era o fim. Jamais teria aquela mulher.
O tempo se passou. Duas semanas de pesquisa e investigação, flatulência nas alturas, e a certeza da decepção amorosa. Mas iria até o fim. Venceria aquela barreira, decidiu-se. Iria perseguir aquela chama ardente e explosiva do amor. Declarar-se-ia para a musa. E “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”, “brum”...
Segunda-feira, 8 da manhã, portou-se na porta do edifício da secretaria. Ele só usava o elevador de serviço, para o desespero do pessoal do setor de limpeza e de transporte. Ficou lá, escondidinho no canto. Exatamente às 8 horas e 13 minutos da manhã ela cruzou a portaria. Impávida, monumental, mas com olhar para baixo, introspectiva de morrer.
Ele ficou atônito. Tidinho, pela primeira vez, entraria no elevador social. Mas para sua surpresa, na fila ela não ficou. Perguntou ao vigia e tomou um caminho conhecido do engenheiro da bufa. Iria para o elevador de serviço. Só de ver a cena, ele não se conteve e soltou o 29º pum do dia, este especial: “bruuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuubrummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmbrummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm”.
A viu entrar, rápida, na cabine. Viu que ela o entreolhou, aflita. Ele correu para entrar junto, a cada passo acelerado era um “brummmm” expelido. Ela parecia rezar para a porta fechar. E ela ia se fechando quando ele deu um salto e entrou. Ufa! Estava ao lado da Marilda.
Foram 2 segundos que pareceram 2 séculos. Eles se entreolharam. Seus olhos brilhavam. Os dela, na visão dele, correspondiam. Mas um tom sôfrego ainda se sentia. Foram 2 segundos de tensão, desejo e ânsia.
Tidinho do Traque mal se continha. No segundo terceiro ele se decidiu. Iria falar, declarar-se, convida-lá para jantar, casar, ter filhos.
Quando abriu a boca, ela esboçou um nervosismo incomum, quase um pânico. Três segundos e meio se passaram. E ele já iria soltar sua primeira bufa na frente da mulher de sua vida.
Foi ele dizendo “oi” para o elevador tremer: “brummmmmmmmmmmmm”. Tidinho desmoronou. Marilda olhou, abriu lindos olhos verdes, iria esboçar uma palavra. Suspense. E aos cinco segundos se ouviu um “oi”. E um “brummmmmmmmmmmmm” recíproco que, combinado ao cheiro insuportável do peido do Tidinho, parecia uma bomba atômica.
Marilda também sofria do mal. E do 1º ao 13º andar, todo o prédio ouviu barulhos vindo do vão do elevador que simulavam queima de fogos de fim de ano. Quando a porta se abriu, as gases já tinham tomado forma de super bactéria, carregando o casal nos braços, aos beijos e aos peidos.
Foi amor à primeira palavra e à primeira bufa. Mais tarde Marilda confessou que no dia da posse já ficara interessada no engenheiro fedorento do setor de obras.
Casaram-se com igreja lotada. Convidados, padrinhos e padre com máscara de oxigênio. A festa contou com depurador de ambiente e bicas de “Bom Ar”. Viveram felizes e nojentos para sempre.
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