Tinha mãe, mas esta morava longe. O jeito, no segundo domingo de maio, era se contentar em dar os parabéns para a sogra. E aí estava problema: dona Calcidinha era quase uma Anaconda de grande, perigosa, ferina e com veneno afiado. Mortal!
Odiava a mãe da mulher. Mas não tinha jeito. Tinha que aturar.
No dia das mães, era só falsidade. Recíproca por parte da matriarca da família da esposa, que o mal queria, em muito. Dona Cacildinha dizia que Viriato era preguiçoso, pinguço, mulherengo, jogador safado de baralho, grosso, tinha bafo de bode e, por cima de tudo isso, ainda era pobretão.
Os dois não se bicavam, mas, fazer o que? O almoço do domingo era sempre na “casa de mamãe”. Em especial na data tão festiva da maternidade.
Cedo, lá chegaram Viriato, Maria de Lourdes, a esposa, e os filhos. Era o 23º terceiro almoço na “casa de mamãe”, em 23 anos de casamento. “Esta velha não morre nunca”, pensava Viriato, torcendo para que no próximo ano o almoço fosse substituído por uma visita ao Parque das Flores.
Dona Calcidinha não deixava por menos: “ – Sabia que era você ‘môfio’. Senti a ‘catinga’ de pinga e o bafo de urubu chegando. Pobre da ‘miafia’” dizia, na lata, a sogrinha.
Viriato, retrucava: “– E eu sabia que a senhora estava em casa, porque vi a vassoura ali estacionada, sem voar” rebatia, na cara, o genrão.
Era sempre assim. Os dois queriam manter distância entre si. Mas o parentesco forçado não deixava. E era um tal de “cascavel” prá lá, e “jumento” prá cá, que não deixava dúvidas sobre a incompatibilidade entre ambos.
Logo na chegada, o clima já esquentou: Viriato queria “gelar a goela” com uma cervejinha, mas dona Calcidinha, beata e devota de Nossa Senhora de Fátima, estava a acolhendo a imagem da santa para o terço de segunda-feira. Beber ali naquela semana, só refrigerante, suco ou água. Viriato ficou para morrer.
Na sequencia, foi a vez do homem fazer raiva. Viriato disse que beberia uma garrafa de Coca-Cola cola, “mesmo que gigante!”. Calcidinha entendeu o recado e esbravejou que “só um excomungado biriteiro e herege da gota para falar mal do ‘meu’ ‘Padim Padi Ciço’. A temperatura do almoço só subia.
Na mesa, mais intriga. Viriato adorava carne de boi. A velha só cozinhou pescado “para limpar o sangue dos ateus que estavam ali sentados”. Viriato comeu puro. Na hora da sobremesa, só para contrariar, o marmanjo “cuspiu fora” o pudim, “já que com leite azedo com melaço não prestava”.
Após a comida, mais confusão. Viriato, masoquista e torcedor, não iria perder por nada o jogo do “Fogão”. Mas a única TV da casa estava com o botão colado com Superbonder e, naquele dia, só transmitiria o Gugu. Calcidinha não perdia um “De Volta para Minha Terra”.
A tarde, hora de dar os presentes, qual não foi a surpresa quando Viriato entregou, embrulhadinho, o DVD do Padre Fábio de Melo. A coroa foi a loucura! Não era possível! Que “presentão”! Prova de que não havia oração sem resposta e o genro vigarista se regenerava.
Foi correndo assistir no quarto. E aí só se ouviu os gritos da idosa. O conteúdo nada tinha de sagrado, sendo sim uma coletânea de vídeo pornô zoófilo. Escândalo! Viriato, com cara de moleque, dizia que “o camelô devia ter se enganado na embalagem, e mentido quanto à originalidade do produto”.
Cacildinha não deixou por menos. Fez o genro comprar 25 bilhetes da rifa para a reforma da Igreja. Quando Viriato ia se safando, Maria de Lourdes afirmou a “nobreza da ação” e que o marido iria comprar logo 50 bilhetes. Com cada um a R$ 2,00 o prejuízo foi de “cenzinho” no bolso do coitado.
O dia foi assim, até na hora do cafezinho. Viriato só tomava morno, com água. A velha sabia disso! Mas colocou na sua xícara o mais quente possível, pegando fogo mesmo. Foi o pobre botando o beiço para a queimadura gritar. A raposa de cabelo branco ria baixinho, sob a fúria do olhar do homem possesso.
Chegava a hora de ir embora e, como sempre, despedidas falsas... A vovó se despediu dos netos, da filha... na hora do genro, o abraçou e sussurrou: “ – Já vai tarde “fi” da peste!. No ouvido, ela ouviu a resposta em baixo tom: “ – Velha sem vergonha, ano que vem espero não ter que vir mais aqui”...
E foi se embora Viriato, para ano que vem retornar para mais um Dia das Mães.
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