Era feio, gago e fedia que nem gambá. Dizer que usava óculos “fundo de garrafa” era generosidade com o vasilhame. Tinha dentão e bafo de cavalo. Um filhote de “cruz credo”!
Ainda aos 35 anos, era virgem. Até “mulher de vida (nada) fácil” achava que a “empeleitada” era grande demais. Só valia por fortuna.
Morava no Morro do Satanás, no Rio de Janeiro, quando antes das UPPs. O traficante “chefe”, ressalte-se, “não ia muito bem” com as “fuça” daquele rapaz “ichsquisituuuu”.
Como pasteleiro, ganhava um terço de um salário mínimo na capital fluminense e levava esculacho do patrão diariamente. Para ir ao trabalho caminhava morro abaixo uns 15 quilômetros por dia, depois pegava moto taxi, trem, ônibus, carroça, barco, metrô... Saia de casa às 4 horas para estar no trabalho às 8.
Já tinha sido assaltado. Já tinha sido vítima de seqüestro relâmpago. De golpe do “bilhete” premiado... de trombadinha e tudo mais...
Mesmo assim era otimista! Sua vida ia melhorar.
Foi quando viu na internet uma foto de sua terra natal e aí se decidiu. Iria voltar para a terra-berço e morar em Maceió. Alagoas, que paraíso!
Vendeu tudo o que tinha no barraco, pagou R$ 150 em um ônibus clandestino, passou 7 dias na estrada e desembarcou no “terminal rodoviário” do Tabuleiro (as barraquinhas próximo à Polícia Rodoviária Federal...).
Foi direto morar na Grota do Aperreio, atrás do Benedito Bentes II, por “de trás” do Carminha, um pouco “prá de lá” do João Sampaio, já quase chegando na floresta amazônica... Na grota não tinha escola, posto de saúde, base da PM. Ônibus sequer passava perto.
Seu nome era Ismanielson Jerry Catanha. Uma fusão dos nomes da mãe Dona Ismandina e do pai “Seo” Nielsonaldo, somado a uma homenagem a Jerry Adriani, cantor preferido de Dona Ismandina, e Catanha, atacante melhor do que Pelé e “santo” na visão “Seo Nielsonaldo. Nasceu no Vergel o "bruguelo", mas como seus pais migraram para a cidade maravilhosa ele "cressccheeu carióoooca".
Aqui o “Isma” acreditava que ia “se dar de bem”! Era sua esperança.
E a vida transcorreu.
Tudo ia melhorar! Sabia disso.
Na grota, Ismanielson Jerry comprou um barraco na encosta. Veio as chuvas e sua casa caiu no barranco. A defesa civil municipal chegou 9 horas depois, de coletinho e prancheta na mão, para dizer o óbvio: “o senhor terá que desocupar esta área de risco”!
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Foi caminhar na orla e foi assaltado enquanto comia uma tapioca de goma com goma (a mais barata) no anexo da barraca da Zefa. Um pseudo flanelinha pediu um “trocado”. Quando abriu a carteira, o “de menor” “catou” e correu. No Mercado da Produção, “tomaram” o dinheiro de sua feira. Foi assaltado outras 576 vezes sob mira de revólver, peixeira, canivete... ou “na moral” mesmo... Na Caixa Econômica da Gruta, após passar 48 horas na fila do caixa rápido e ter sobrevivido a um incêndio, foi vítima de uma “saidinha de banco”. Perdeu 10 reais que tinha sacado.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Fez concurso para o Estado. Que glória! Tomou posse como padioleiro do HGE. No seu plantão era gente sem cabeça vítima de “facãozada”, “peito de peneira” vítima de tiro, motoqueiro “istrupiado” após acidente na Fernandes Lima.
O governo anunciou um calendário de reajuste do servidor. “Isma” foi na Laser Eletro, financiou aquela TV de “prasma” em 36.000 meses... que felicidade! Mas quando soube que o aumento era de 5,91% em 2 vezes, quase enfartou. Voltou na loja e devolveu o bem.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Para ir e voltar para casa, pegava o Trapiche-Ufal, depois Feitosa-Centro, depois o Cleto Marques Luz via Mercado, depois o Benedito Bentes via Cambuci... e carona com carroceiro... isso tudo após subir 30 quilômetros a pé, Grota do Aperreio acima, no meio da lama. No trânsito, eram quase 5 horas de sufoco no “busão”. E 4 “conto” para ir, com mais 4 “conto” para voltar (seu sonho era o VLT!!!).
E haja gente reclamando no coletivo: “eita urubu catingoso da gota!!!”. “Isma” fingia não ser com ele.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Na Grota do Aperreio, logo descobriu que quem mandava era Pai Zuzu. Ficou fascinado! Queria conhecer aquela “autoridade” beneficente, com mais importância que deputado, juiz, prefeito, delegado ou governador. Marcou “agenda”. Quando chegou lá, ficou sabendo que Zuzu era empresário renomado e temido no comércio. No comércio de crack... de arma ilegal e de assalto à restaurante e banco do interior.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Apaixonou-se perdidamente por uma mulata. Que mulata! Parecia destaque da Salgueiro. Marcou aquele motelzinho de 5 reais por 24 horas de suíte “master”, com direito a jarra de vinho. Chegando lá, num taxi com 20% de desconto, era cada beijo de dar nó na língua. Que mulher era aquela. Ia, finalmente, ser um “meteoro da paixão”. Mas após 10 minutos de “amasso”, saiu em fuga. É que, finalmente, descobrira porque a amada era conhecida na praia da Avenida como “mulher-elefante”.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Quando ainda vivia no Rio, pensava: que “marzão” o de Maceió, “milhor” que Copacabana!!! Viu na TV que até a prefeita tomava banho em numa espécie de rio Tâmisa alagoano. Na capital alagoana tentou imitar o gesto, colocou sungão e deu aquele mergulho no Salgadinho. Depois de uns meses seu “bucho” comeu a mexer sozinho. Fez um exame de descobriu: tinha sido contaminado no riacho e “a verme” já estava do tamanho do Alien, o 8º passageiro.
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Na grota, só tinha um probleminha. Faltava um "pouquinho", só as vezes, energia elétrica. Só "60" dias no mês. A solução foi o "Isma" gastar metade do seu salário como servidor público com lamparina e querosene. Como o infeliz já fedia deveras, o resultado de noites sem ventilador, sem lâmpada e sem energia era um fumacê que "impestchiava" todo o barraco. Ao acordar, o coitado parecia ter dormido num poço de petróleo: todo molhado de suor e preto da cor de "negro de fumo" usado na química. No "busão" até o pneu reclamava do cheirinho...
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Louco por futebol, com o que sobrou do aumento de 5,91% dado pelo governo não pensou duas vezes: foi no comércio e no camelô comprou uma camisa “oficial” do CSA, timão do pai, “Seo” Nielsonaldo. O troco pagou a entrada do clássico amistoso do CSA contra o “selecionado” dos aposentados fundadores do antigo Produban. Mas que decepção quando viu seu timer perder por 42 a 0, com gol até de bicicleta do artilheiro Jojó “Mil Réis”, "cracasso" e mascote do time com 92 anos, louco a correr com um balão de oxigênio pendurado. Um fenômeno!
Mas tudo ia melhorar! Sabia disso.
Tanto que se desfez de tudo e voltou para o Morro do Satanás. Quem quiser encontrá-lo, é só ir comer pastel no “piscinão” de Ramos, em especial aos domingos. O patrão continua lhe dando esporro e o “falcão” do morro ainda lhe olha de modo atravessado. Mas, mesmo assim, a vida voltara a ser “bela”.
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