Desempregado, quase analfabeto, 9 filhos para criar, biriteiro, malandro e sem vergonha. Com este currículo, poucas opções restavam a Astrogildo Pimentel.

Já teve “carteira” fichada, mas esta nunca durava mais que 6 meses com o registro. De servente de pedreiro a cobrador de ônibus, passando por vendedor de bananola a representante de enciclopédia.

Estava “liso batendo”, tinha que ganhar um para o pão, para a “marvada” e para ver o azulão “jogar” no Rei Pelé.

Foi aí que teve uma idéia brilhante: enganar o próximo era sua especialidade, cara de pau não lhe faltava, vigarice era seu forte. Mandou Filomena, a santa mulher, lavar bem aquele lençol de “chenille” branco, pegou aquário de “bola” emprestado do cunhado, amarrou faixinha azul na cabeça.

E em plena Rua do Comércio montou banca: transformou-se em Pai Gildo, vidente, paranormal, “pacto com Anjo e com Besta-Fera”, resolvendo caso de falta de dinheiro e doença “braba”.

Mas seu foco, estampado na plaquinha fixada na mesa, era “Mal de Amô”.

Começou sob a incredulidade de todos. Poderes sobrenaturais não tinha. Mas dava “pitaco” que era uma beleza.

Olhava para um e dizia: “ – Vejo um ‘amô’ mal resolvido no seu passado”. Era batata! Para outro, disparava: “– Deixe aquela briga e aquele ‘pantim’ de família de lado, abrace sua sogra e seu sogro desafeto”. Era certeiro! Obviedades que todo mundo sabia, mas que para desavisados e fracos de cabeça caiam como premonições vindas do além.

Dizia ouvir vozes, afirmava ter um “spritu” que lhe contava tudinho!

Safadeza pura.

Cada “consulta”, a depender da cara do infeliz, tinha preço tabelado. Se vestia terno e gravata, era no mínimo “cinquentinha”. Se tinha cara de pobre, o “spritu” só falava se soltasse “deizinho réau”.

E de “cinquentinha” e “deizinho”, não fossem os gastos com Pitu e o CSA (sem contar as “damas” de fino trato), Pai Gildo ia acumulando patrimônio. Deixou o Ipioca-Mercado e comprou seu Chevette. Só ia para o batente no comércio com ele, “rebolando” pela AL 101 Norte.

Só andava na “beca”, tudo adquirido da vizinha que fazia carreto de Toritama. Os “meninu já comia direitinho”. Filomena deixou do “lavado de rôpa de ganho”. Domingo, era só farra: da Paripueira ao Rio Niquim, só cortava a pinga na hora de ir ao Trapichão ou ao Mutange.

E outra, em especial: gostava de “luxar” com a mulher do próximo, desde que o próximo não estivesse próximo. Quando detectava que o problema era “carência” do mulherio, contorcia a cara, virava os olhinhos e dizia que o “spritu” exigia “doação de amô”. Aí carregava a “banquinha” para o Chevette com a mulher do próximo dentro e seguiam para o “hotel rotativo” mais próximo...

Tudo corria bem, até o fatídico dia.

Era uma manhã de segunda. O CSA tinha ganhado o jogo, verdadeiro milagre. A praia de domingo tinha sido a da Avenida da Paz. Tudo corria nos “conformes”.

Vestido com sua túnica branca de lençol, fitinha azul na testa, barba por fazer “para dar estilo”, parecia um afegão... E eis que chega seu primeiro cliente.

Era um homem alto, uns 2 metros de altura, musculoso, mão enorme cara amarrada.

O freguês sentou-se no tamborete estrategicamente posicionado frente à mesinha com a bola cristal na Rua do Comércio. Pediu previsão.

“– Vejo um ‘probrema financêru’ que vai se ‘arresorvê’ visse, ‘mizifiu’!”

“– É nada?”. “E de ‘amô’?. Pai Gildo nada vê?”, retrucou o cliente.”

“– Vejo uma ‘mulé’!

“– ‘Mulé’ dos outros ou minha ‘mulé’ seu cabra ‘senvergonho’”, rebateu o musculoso.

“– ‘Arrespeitche’ Pai Gildo, ‘mizifiu’!”, exigiu o vidente!

Nem deu tempo para argumentação. O que se viu na Rua do Comércio foi pancadaria da grossa. Tamborete e banquinha para o alto, Pai Gildo só levou desacerto. Foi “tanta” tapa que desmaiou. Ficou todo roxo, jogado ao sol daquela manhã, estatelado no chão. Quase foi enforcado com o “chenille” e a fitinha azul! Levou até a bola de cristal na cabeça, fazendo corte profundo, socorrido pela equipe do SAMU.

Ficou no HGE uns 10 dias.

De alta, “cabrero”, retornou ao posto de trabalho.

Chegando lá, qual surpresa! De lençol branco enrolado e turbante azul na cabeça, parecia um Filho de Gandhi... era o grandalhão executor da surra passada.

E na mesinha, uma placa explicava o serviço:

Pai "Miltão", especialista em “mal de corno”.

Ao lado e abraçada com o novo “guru”, uma baixinha de coxa grossa, cara de "zinha", olhava-o com sorriso irônico.

Era uma das “doadoras” que tinha atendido ao clamor do “spritu” do Pai Gildo e que agora iria assumir o negócio ao lado do marido traído. E nem tão manso.


 

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