FHC foi um grande presidente e é um ótimo analista político. Teve um papel importante na histórica do Brasil. Fez o Plano Real e tomou medidas que estabilizaram o país. Mas, para isso, precisou deixar de lado as crenças tradicionais da esquerda da qual fazia parte. O ótimo livro “Manual do perfeito idiota latino americano” diz que FHC tomou medidas liberalizantes meio com o “pé atrás”. Fez mais por obrigação do que por convicção ideológica. Hoje podemos ver, no entanto, que FHC se convenceu de que não há prosperidade fora de uma economia de mercado dinâmica.

Ele trata destes e de outros temas num recente artigo chamado “O papel da oposição”. Pois bem, uma única frase do artigo de FHC causou uma celeuma danada e provocou reações contrárias até mesmo de oposicionistas. E qual foi essa frase? Destaco no parágrafo abaixo:

Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias”.

Aí vieram as manchetes: “FHC propõe afastamento do povão”. Eita! Era tudo o que jornalistas canhotos gostariam de publicar! “Estão vendo? PSDB é de elite, não gosta de povo”.

FHC foi claro. As “massas carentes e pouco informadas” já estão cooptadas e, portanto, o foco deve ser outro: a nova classe média. A oposição deveria, então, evitar o discurso populista e voltar a atenção para a classe que paga as benesses que o PT distribui não só para o “povão”, mas principalmente para sindicatos e “movimentos sociais”. Essa classe média quer menos impostos e mais liberdade de atuação. É o tal “empreendedor”. Esse precisa de menos Estado atrapalhando sua atividade com burocracia e tributos. O discurso da oposição tem que alcançar esse público.

Mas FHC errou feio na forma de se expressar. Em primeiro lugar, ele não podia sequer mencionar a expressão “povão”. Como bom político que é, sabia que isso iria ser usado contra ele e contra as oposições. Uma coisa é o discurso e outra é para quem falar. Nesse sentido, penso que o discurso da oposição também pode ser feito para as “massas carentes”, que podem aspirar a mais do que uma bolsa. É possível sim falar com o “povão” e mostrar que bolsas permanentes são esmolas e que elas só se justificam como forma de inclusão social. Esse brasileiro que gosta de mamar nas tetas do estado não forma a maioria dos cidadãos.

Ora, foi o próprio FHC quem tirou muita gente da pobreza com a estabilização da economia. E, mais absurdo ainda, foi FHC quem primeiro aplicou as bolsas como redes de proteção social em âmbito nacional para além da previdência. Ou seja, FHC sempre falou com o povão, sem populismos.

Então, porque colocar no artigo que a oposição não deve disputar com o PT as “massas carentes e pouco informadas”? Deve disputar, sim! Pode-se fazer política sem demagogia. Será que o povão só quer ouvir promessas de décimo terceiro do bolsa-família ou aumento do salário mínimo?

O sentimento de FHC é o de que o Brasil ainda está sequestrado por esse modelo de fazer política. Tudo pelo bem do povo. Aí não existe direita nem esquerda, pois todo mundo quer o bem. Dizer que tem ideologia, só se for de esquerda, pois aí você se caracteriza como alguém “do povão”. Quanta bobagem!

O chamado “povão” seria aquele para quem o populista fala. Aquele a quem se promete pão e circo. É aquele que vende o voto por qualquer centavo e que sempre foi cativo de populistas de esquerda e de direita.

O PT não abandona o discurso populista. A base é a seguinte: mantemos a estabilidade com atenção ao “social”. Essa atenção é só aumento nas políticas assistenciais, que já existiam antes. Eis o problema que FHC tentou enfrentar no seu artigo. Diante de tal quadro, o que fazer? O que discursar? FHC deu inúmeras opções e fez importantes análises. Mas a única que se ouviu foi essa de “esquecer os pobres”. Na verdade, nem isso ele disse, mas sabe como é a novilíngua petista.

FHC estaria certo se dissesse que a oposição não deve disputar com o PT o discurso populista. Com isso eu posso concordar. Se o discurso não vai agradar ao “povão”, aí a questão é outra. É de como a oposição vai se fazer ouvir, mas sem abrir mão do seu discurso. FHC deveria ter escrito:

“Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT o protagonismo do discurso populista, falarão sozinhos.

A prova disso está na resposta de Lula, que não podia ficar fora da festa, e, apesar de não ter lido o que FHC escreveu (consta que Lula não gosta de ler), arrematou:

“Eu. Sinceramente. não sei o que ele quis dizer. Nós já tivemos políticos que preferiam cheiro de cavalo que o povo. Agora tem um presidente que diz que precisa não ficar atrás do povão, esquecer o povão. Eu sinceramente não sei como é que alguém estuda tanto e depois quer esquecer do povão”.

Se isso é política, eu odeio política. Não. Na verdade, isso é só demagogia barata. Lula é um populista metido a engraçado e que construiu sua imagem na dicotomia “pobres x ricos”. Aliás, as esquerdas são assim, não é? Só que, para a esquerda socialista, só a completa emancipação das classes exploradas acabaria com a dicotomia (que, na versão marxista é a luta de classes). De certo modo, também a direita liberal defende a emancipação do pobre, mas pelo fim da pobreza. E esse fim só seria alcançado com o livre mercado, com mais lucros, mais empregos, enfim, mais riqueza.

Lula, nesse sentido, nem é esquerdista nem direitista. É simplesmente um populista. Lula e o PT desistiram desse papo de socialismo à moda antiga. O pobre não quer se emancipar, ele quer um pai a lhe dar uma mesada. O que deveria ser uma rede de proteção social, ou mesmo assistência social, passa a ser a base de justificação de um governo.

A oposição tem que investir no seu discurso, voltado para a eficiência e controle de gastos. Um discurso voltado para valores políticos mais à direita, mais liberais. Estado demais só agrada a funcionário público comissionado e aos amigos do poder. A oposição tem que ter a coragem de enfrentar os populistas e acreditar que, com o crescimento provocado pelo “neoliberalismo”, a classe média e começa a entender uma lei da natureza: quanto mais liberdade e quanto menos Estado, mais a economia cresce e o “povão” melhora de vida. É justamente quando esse eleitorado não depende do Estado que ele começa a se questionar sobre algumas coisas que estão dando errado no governo do PT.

Prefiro interpretar dessa maneira o artigo de FHC. No mais, é a politicagem barata que vai usar sua afirmação do jeito que quiser. E, na boa, a culpa é dele. Ele devia ter pensado melhor no argumento e escolhido melhor as palavras. Se fosse um sociólogo a dizer, ninguém iria achar revelante, mas FHC não é só um sociólogo.