Era radialista e dono de uma voz única. Grossa, “de macho”, irresistível, sedutora. Fazia o programa de canções românticas, boleros, fossas e dores de cotovelo, com traduções de músicas internacionais e leituras de declarações de amor das ouvintes.

Mas se a voz era bela, o dono era destituído de “lindeza”. José Porfírio era nascido pelo avesso. Testa grande, cabeça chata, parecia de tubarão martelo. Olhos esbugalhados, pele escamosa, espinhas mil. Pescoçudo, similar a uma girafa, magro que nem bacalhau de resguardo, tinha dentes marrons, quando ainda existiam diante da banguela dentuça aparente.

Era tão feio que se escondia das fãs. Não deixava ninguém o visitar no estúdio. Era o sombra da emissora. Tinha medo de assustar as admiradoras. Com razão, admitamos, diante de aparência tão nojenta!

Até que um dia o telefone começou a tocar. Do outro lado da linha, uma voz feminina que parecia de atendente de “disk sexo” pediu uma música de Wando, o “rei das calcinhas”.
Depois, no outro dia, novo pedido vindo daquela suave voz do pecado: “Detalhes”, de Roberto Carlos. No outro dia, súplicas por clássicos do brega romântico e prosa já amistosa e quente...

Rosa era o nome da ouvinte. Descreveu-se para Porfírio na terceira ligação. Loira, 1.70, 70 quilos, “diziam que era a cara da Grazi Massafera, mas ela se achava mais para Gisele...”. Extrovertida, fazia “faucudade” e “era antenada na Internet”...

Aos poucos, Porfírio foi se apaixonando. E a cada ligação da ouvinte especial, a cada pedido de Benito de Paula, Amado Batista ou “aquela em ‘ingrêis’ que toca na novela...” o dono da voz grossa se derretia. Rosa dava bola, jogava isca, e o garanhão da cara de peixe engolia.

Era o amor...

Mas como encontrar aquela musa sem assustá-la no primeiro encontro? Era feiiiioooo demais, sabia disso? Sua mãe mesmo já contara que, no dia do parto, ao receber o rebento nos braços, no lugar de chorar de alegria foi às lágrimas de tristeza.

E o médico no lugar de falar “parabéns” teria exclamado “cruz credo”!

É, tinha decidido: não ia fazer desfeita diante da “gatona”. Iria fazer como sempre, ou seja, despistar.

Marcou encontro atrás do coreto e, na hora H, ligou desmarcando sob alegação de “problemas intestinais”. Ela ameaçou ir no estúdio, ele recusou visita alegando estar de folga e que o programa, naquele dia, era gravado...

Até o dia em que, passeando pelo comércio, deparou-se com uma imagem do inferno. A mulher deveria ter uns 30 anos, mas parecia ter 360. Cara inchada, bochecha grande no estilo do Fofão, nariz de fazer inveja a tucano plumado e bem nutrido.

Não tinha pneuzinho, tinha sim uma jante inteira de Boeing nos “quartos”. Branca mais que aguada, conseguia ser mais opaca que um inhame. Cabelos meio amarelos, meio verdes, era a cara da Cuca do Sítio do Pica Pau Amarelo. E destaque-se o figurino da moçoila, composto por um “tubinho” rosa choque daqueles de parar quarteirão.

Sem querer, esbarrou na donzela, que caminhava carrega de sacolas do Mercado da Produção com fruta, verdura, tempero, ovos... caiu tudo no chão.

Aquele desmantelo!

Tudo se estragou, gente pisando em cima, uma alvoroço na Praça do Pirulito. Sem contar que ele escorregou na queda e caiu no meio fio, sujando toda a camisa social que tinha comprado, sob encomenda da vizinha, que viajava semanalmente a Toritama.

Foi aversão à primeira vista. Todo mundo no ponto presenciou. O pessoal das lojas de peças de bicicleta e dos “bares” da região se levantou. O homem no chão, todo sujo e estropiado. A mulher com aquele quadril de bloquear a passagem do VLT acocorada na pista, recolhendo a sobra da feira.

Os dois se entreolharam, raivosos, irados. Ia ter homicídio. Em simultâneo, os insultos surgiram da boca ambos: “cornooooooo!” ela disse, cheia de finesse. “Fuleeeeeeira....” ele retrocou, cheio de “estilo”...

Mas foi aí que tudo mudou. Ninguém entendeu o que se passou. Após o insulto verbal, um partiu para cima do outro. A turma do “deixa disso” correu para acalmar o labafero iminente. Ia ter sangue na praça com unhada, soco e chute nos “quartos”.

Correram e pararam um diante do outro. Se olharam fundo nos olhos e..... se beijaram ardentemente!

Reconheceram-se pela voz. Ela era a Rosa, ele era o Porfírio. Feitos um para o outro em feiúra.

Foi difícil desgrudar os dois. Só se largaram quando o Batalhão Ambiental chegou para apurar a denúncia de que dois “bichu feio da gota” estavam “engatadu e urrando” na rua.

De lá, partiram direto para uma noite de amor num motel de Guaxuma, daqueles que cobram 5 reais por 12 horas e ainda dão aos apaixonados uma jarra de “vinho”..