Era filho de Zé do Bode com Dona Mariquita, criado ouvindo sanfona, comendo farinha e carneiro com fava, adoçando a boca com rapadura e, na adolescência, enxerindo-se em safadeza com mulher de toda sorte e espécie no “rala bucho” do Socó “Abestado”, melhor “rastapé” daquela região sertaneja.

O principal: quando era aniversário da morte de Gonzagão não se continha. Vestia gibão e fazia forró. Tocava sanfona, cantava “pé de serra” com acompanhamento de zabumba e triângulo alheio. Acabava no “chumbrego” e na saliência, fosse com virgem imaculada, fosse com mulher dama. Toda a cidade conhecia o Januário do Fole.

Era fanático, devoto, obcecado por forró!

Aos 24 anos pegou o pau de arara, foi para São Paulo. Lá, virou “faz tudo de cantina italiana” no Bixiga. De tanto "Funiculì, Funiculà", de tanta “galega duzóiazu” de vestido “mió” que de “chita” e canela “cor dinhame” “prumaisdimió” em gostosura, transformou-se. Mas afastou-se da sanfona, o que era doloroso: e já eram anos de abstinência!

De Januário Francisco Aparecido, passou a assinar “Gennaro Francesco Apparicio”. Só comia macarrão, virou torcedor da “Squadra Azurra” e passou a ser filho de italiano nascido em Turim (em homenagem ao “Fiat 147” que seu pai mantinha carregando quarto de cabrito para a feira de Arapiraca). Mas a saudade do “rastapé” o consumia...

Sua missão: na real, picar tomate para molho sugo e bolonhesa. Na sua boca de falador, na rua após o batente no caminho da pensão onde dividia quarto, era “signore” da cantina, parente de siciliano.

Don Gennaro Francesco vivia sua vidinha. De noite, molho de tomate e “Volare, oh oh. Cantare, oh oh oh oh...”. De dia, mentira e descaramento. E sua paixão não diminuía: no DVD o último show do Calcinha Preta “live in” Jacaré dos Homens, tributo ao Rei do Baião e pôster do Mano Walter na parede! Coleção completa do Jorge de Altinho e uma caixa só com versões de Magníficos e do Forro dos Plays, tudo na versão “acústico”...

Queria se dar bem com a “galegada” da colônia. Cantava todas, só no “amore mio”, “cheinho” de “passione”. Para todas, dizia que queria ser o “Matteo” daquela “Giulianna”.

Até o dia em que se engraçou com Valentina, filha de italiano legítimo representante da máfia no Brasil. Linda... e gostosííííííssima.

Prometeu a ela “mundos e fundos”, “ricchezza” e amor “sensuale”. Valentina, 17 aninhos, carinha de anjo como pintura da Capela Sistina, corpo de “amica” de Berlusconi, não se conteve. Entregou-se em “fregatura” com o “ragazzo”.

O namoro ia bem, sempre de dia. A noite Gennaro Francesco Apparicio sempre tinha compromisso, “commercio, affare...”. Na verdade, ia fazer molho. Mas, pilantra, dizia que iria gerenciar a trattoria.

O namoro e o “chumbrego” aumentavam no banco da praça e a família da moça exigia conhecer o “impresario” que namorava a “donzela”. Assim, o jantar na casa da “signorina” teve que ser marcado. Januário se apavorou. E agora?

Chamou dois colegas da cantina, todos nordestinos e forrozeiros natos. Severino, de Patos, na Paraíba, apaixonado pela “Eliane Rainha do Forró” e Tião, de Araripina, zabumbeiro de mão cheia que chegou até a tocar com finado Mestre Zinho. Ambos há anos saudosos do São João de Caruaru e de Campina Grande... sonhavam com xote de “oito baixos”.

Ensaiou tudo. Levaria mais dois para, no meio do jantar, sair de fininho a pedido da dupla de “sócios” calabreses, que “queriam vistoriar o “ristorante”. A ordem era: seriam apresentados como tímidos e calados. Só responderiam “sì”, “no” e “buona sera" como resposta a qualquer pergunta, a qualquer boa noite.

Na data e na hora marcada, Gennaro e os dois comparsas chegaram na casa de Valentina. A casa topada de parente! Toda a “famiglia” reunida: "zia e zio, nonno e nonna, cugina e cugino, padre e madre, fratello e sorella... ". Gennaro enrolava bem, embora “tivesse dificuldade” em “parlare” italiano, já que fora criado em “Brasile”. O pai da moça desconfiado, cara amarrada, ciúme doentio da ninfeta.

Enquanto isso, Tião e Severino eram só “sì”, “no” e “buona sera". “A pasta está buona?” E a dupla, em alto em bom som, respondia: “Buona Sera!". A “nonna” perguntou da “famiglia” e os dois: “Buona Sera!". O “padre” de Valentina ofereceu charuto. Tião fumante inveterado não se conteve. Soltou um “Oxeeeeeente, arretadooooo!!!!!”, mas imediatamente depois se refez e se corrigiu: “Sì, Buona Sera!"

Mal acabou o jantar e a retirada iria ser consumada. Nenhuma gafe maior, despedidas à mesa. Mas o “nonno”, empolgado, foi no quarto, pegou o acordeon e exigiu do trio uma “canzone”, uma “musica” da Itália, igual à cantada na “trattoria”.... Poderia ser “Volare” ou “"Funiculì”.

Mas quando viu a sanfona, o trio entrou em transe! Januário se tremeu todo! Babou-se inteirinho! Tião deu um salto mortal para cima da mesa, pegou garfão e tigela para imitar triângulo. Severino se agarrou com força no puff da sala, em formato de zabumba. E o que se viu foi um uma festa nordestina. Um pout pourri forrozeiro!

Parecia palhoção: começou com Asa Branca, passou para Dominguinhos, desfilou por Mastruz com Leite, Alcymar Monteiro, Chamego de Menina, Brucelose, Capim com Mel, Baby Som, Cavalo de Pau, Raio da Silibrina, Aveloz e até a dama Marinez... Em minutos!!!!

E dá-lhe chamego forrado, quente, arrochado e fogoso!!!

Quando caíram em si a italianada, atônita, estava boquiaberta. O “nonno” em estado de choque!

Jogaram tudo para o alto e saíram correndo da casa de Valentina. Foram direto para a rodoviária e voltaram para o nordeste. Hoje vivem de cantar em festa mixuruca, São João de sítio e churrascaria de beira de estrada, fugindo do “capo” pai de Valentina, que lhes jurou de morte "matada".

Gennaro voltou a ser Januário. E foge a mais de mil quando vê pau de macarrão!

 

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