“Matei por amor!”

Esta frase cunhada por Doca Street na esteira da repercussão de seu ato homicida contra Ângela Diniz no final dos anos 70 gerou outra cunhada pelas feministas:

“Quem ama não mata”!

Este diálogo de rancor, sofrimento e dolo, oscilante entre amor e ódio, marcou o despertar da sociedade brasileira para relações ardentes, apaixonadas, possessivas e intensas que desaguavam em dor e em morte.

Na época, em especial, nos casos de homens que assassinavam mulheres. Mas hoje, a mesma frase pode ser associada a homens que matam homens ou mulheres que matam mulheres em situações de relações amorosas.

Trinta anos mais tarde e depois de cumprir integralmente a pena pelo assassinato da atriz, Doca Street escreveu um livro com sua versão sobre a história de paixão e tragédia.

No livro, intitulado “Mea Culpa”, o homicida intenta declarar todo o seu amor por Ângela Diniz, relatando em suas palavras e segundo sua argumentação as faces de drama, saudade e arrependimento pelo ato praticado.

Doca Street cumpriu a pena, mas não se livrou do peso da sua conduta.

Enrico Ferri, um dos mais importantes juristas italianos do final do século XIX e começo do século XX, foi quem consolidou na Itália e na Europa o nascimento da Sociologia Criminal.

Ferri àquela época já catalogava os criminosos em habituais, ocasionais e passionais, de sorte a evidenciar nestes últimos determinadas características que permitiam traçar um perfil do autor desta conduta homicida.

E quem, para Ferri, matava “por paixão e por amor”?

Este homicida seria aquele nutrido de uma possessividade gigantesca, que vivia de modo intenso e ao extremo a relação amorosa, que exigia dedicação exclusiva do ser amado, que era portador de ciúme doentio e colérico para com seu objeto de desejo e posse.

O seu caso é, por mais contraditório que seja, o de alguém que “ama e está apaixonado”. Sua “paixão” arrebatadora e seu “amor” se apoderam do outro como se ali efetivamente só pudesse existir a figura de um só.

E ao mais tenro sinal de possível abandono, a insegurança e o medo de perder a si mesmo explode em atitudes que vão desde uma acalorada discussão até o atentado contra a vida do ser amado. Aí a denominada violenta emoção ocupa o espaço do sentimento positivo de amar, de bem querer... e surge o homicídio.

Mas atenção: o homicida passional não teria e não tem interesse material, financeiro ou mesmo se importa com o status social do amado. No seu caso o seu sentimento de posse o cega. E esta cegueira o leva ao crime.

Independente de homo ou heterossexual a relação...

“Quem ama não mata...”

“Quem ama não mata!”

“Quem ama não mata?”

Caso Eloá Pimentel e Lindemberg Alves.

Caso do noivo que, momentos após se casar e ainda em plena festa de casamento, matou a mulher recém tornada esposa e se suicidou na frente de familiares e amigos em Recife.

Caso Fábio Acioli e seu algoz (?).

Caso Flavius Lessa e Frederico Safadi (?).

Caso Daniella Perez e Guilherme de Pádua.

O crime passional é um dos mais intrigantes fenômenos a ser estudado pelo Direito Penal.
 
Multifacetado, ele joga com afetos e intencionalidades nem sempre evidentes, nem sempre compreensíveis.

Fica o desafio para a Justiça dos Homens: entre o sentimento de domínio pleno sobre o outro ou de premeditação desprezível de sua morte (muitas vezes sem defesa), repousa nossa impotência humana de fazer Justiça em sua totalidade.

Independente da pena, os mortos jamais voltarão.

E os assassinos continuarão, para sempre, com sangue entranhado na alma.