Seu nome era Francisco Apolinário da Silva.

Mulato malhado na estiva, 1 metro e sessenta e dois de altura, bigodinho de malandro, na casa da Cambona mantinha um altar com São Genésio, Padroeiro dos Artistas, e uma foto em tamanho natural do Bell, líder do “Xicrete”.

Como também era fanático pelo poeta lírico e filósofo mór do Harmonia do Samba (andava imitando a reboladinha do Xanddy e tudo...) não teve dúvidas na opção pelo nome artístico: XanddyBell, com dois “éles” e com dois “dês.

Já o nome dela era Shirley Raquel dos Santos. Baixinha, “pneuzinhos” tão sobressalentes que serviriam até de estepe, loiríssima tingidíssima, pelos loiros também, fã incondicional da Joelma do Calypso (na verdade se achava mais talentosa que a própria...).

Como Joelma já tinha uma, seu nome teria que ser mais apoteótico, de prédio de tragédia maior. De um amigo que falava “ingrêis” veio a sugestão. DábliuTecélia. Como? Por que? Homenagear incêndio em São Paulo era pouco. Faria fama com nome inspirado no finado WTC de Nova Iorque. Conquistaria Osamas e Obamas com seu gingado.

Pois bem, o jovem casal de artistas queria fama, dinheiro e legião de fãs. Só que nada dava certo. Tentaram vaquejada, peça tipo “Cinderela Oxe Mainha...”, nos anos 90 eram assíduos no Sábado Sete Show do Pell Marques e gravaram compacto na Gogo da Ema Discos... e nada de reconhecimento.

Já tocaram, cantaram e dançaram em barraca de orla, no circo Birinho, no Pinto, na Rolinha, nas Pecinhas e nos análogos, em festa de interior, velório de palhaço, cabaré da Praça Bonfim, comício e caminhada de candidato “poca urna”, aniversário de cachaceiro, micareta do sertão... e nada de glória.

Mas XanddyBell e DábliuTecélia eram brasileiros, sim, e não desistiam nunca. O carnaval chegara. E a hora de colher os louros do talento também. E ao analisarem a produção cultural do último mês, tiveram a idéia de criar a “XDConéquichion”.

Ouviram canções, examinaram partituras, fizeram esquemas de passos de dança e “pariram” aquele que seria o som do carnaval.

O ritmo era axé baiano, com toques de merengue. A letra era um hino, uma ode, uma pérola. Misturaram “Vô Não, Quero Não”, “Tchubirabirons”, “Super-Heróis” e deu nisso:

Segura, segura, segura a cabecinha
Balança, balança, balança a bunzafinha
Vai não, pode não, o He-Man vai te pegar
Prá botar o “tchugurugungun”
“Como” a She-Ra vou gostar
Segura, segura, segura o peitinho
Balança, balança, balança o rabinho
Vai não, pode não, a She-Ra vai te pegar
Vai abrir o “tchugurugungun”
Eu sou He-Man vou “arrochar”

Após noites sem dormir trabalhando composição e arranjo, XanddyBell e DábliuTecélia tinham o hit pronto e gravado em seu estúdio caseiro (Notebook Positivo e Microfones Clone).

A dança era sensual, orgiástica, quase um coito interrompido, com direito a “carrinho de mão” e tudo. Fazia “espada crescer” e tudo! Era dança de fazer corar marmanjo e intimidar profissional do sexo!

E o figurino da “XDConéquichion” um caso para Gucci e Dior: ele, um He-Man afro, com uma peruca loira tão dura que parecia engomada, sem camisa e com peitoral à disposição, espadão na mão, e amarrado à cintura um tigre de pelúcia cópia fiel do Gato Guerreiro.

Ela toda de branco com barriguinha de fora, cabelo loiro-falso com “aplique” até a bunda, e uma tiara dourada feita com artefatos das Lojas Imperador. Um salto de destaque de escola de samba todo de lantejoulas e muita, muita purpurina no avantajado ventre.

Ambos, um estouro!

Assim, a “XDConéquichion” planejou sua primeira apresentação. Sexta, noite de abertura de carnaval, folia em Paripueira. XanddyBell estacionou seu Chevette e desceu, fantasiado e majestoso, com DábliuTecélia de She-Ra ao lado.

Como o sucesso seria arrebatador, contrataram os serviços de Biu do DVD, um dos maiores contraventores e piratas de áudio e vídeo de Alagoas, com distribuidores (extra) oficiais nos melhores camelôs do estado.

Na confiança do sucesso, Biu fez 1.000 cópias do single “Tchugurugungun”. Tudo fiado. A promessa era vender tudo em poucas horas após a perfomance paripueirense. O Chevette ano 82 movido a álcool estava abarrotado de CD do “XDConéquichion”.

Praça da folia lotada na cidade do litoral norte. Todo mundo reparando no casal loiro-herói. Muitos gritos “Sai daí doido”, “Chama o Zé Lopes”, “Valei-me meu Santo Amaro”!!!

No intervalo do trio, músicos colocaram som mecânico. XanddyBell subornou o segurança e subiu no trio elétrico com DábliuTecélia. Ela jogou seu charme para o operador da mesa de som e pediu para “rolar aquele axé topado” do CD em sua mão.

O técnico, incauto e estarrecido com a coragem da artista, “botou prá tocá com força, arrochado, prá estrompá usuvido”.

Assim toda a Paripueira começou a ouvir o poder do “Tchugurugungun”:

Segura, segura, segura a cabecinha
Balança, balança, balança a bunzafinha
Vai não, pode não, o He-Man vai te pegar
Prá botar o “tchugurugungun”
“Como” a She-Ra vou gostar
Segura, segura, segura o peitinho
Balança, balança, balança o rabinho
Vai não, pode não, a She-Ra vai te pegar
Vai abrir o “tchugurugungun”
Eu sou He-Man vou “arrochar”

O casal “XDConéquichion” subiu no palco do trio. O som do “tchugurugungun” tomou conta do carnaval. Em cima do trio o casal dançou, rebolou, requebrou, foi até o chão e na hora da “She-ra gostar” e do “He-Man arrochar” o que se viu foi quase sexo explícito.

Um escândalo!

Era de cima, pra baixo, de costas, de frente, deitado, em pé, de lado... um despudor!

A música era ensurdecedora. E a vaia do público também foi. O prefeito Abraão quase enfartou. A galera dos “camarotes” foi a primeira na gritaria.

Do chão, foi só um gaiato jogar uma latinha e o que se viu foi uma chuva em cima do trio: passaportes de carne de soja, latas de cerveja, camisinha usada, garrafa com urina de pinguço, espeto de churrasco... um caos no carnaval do povo.

XanddyBell e DábliuTecélia tentaram reverter com mais uma coreografia, mas a balbúrdia era grande demais. O DJ tirou o som e botou Ivete para os ânimos se acalmarem.

Mesmo assim o casal “XDConéquichion”, vestidos de He-Man e She-Ra, só conseguiu descer do trio com apoio da “briosa” Polícia Militar de Alagoas, que além de garantir a segurança do casal ainda os levou em “cana” por “perturbação do sossego alheio” e “atentado violento ao pudor”.

No sábado de manhã o casal saiu do xadrez. Ficou o vexame e o pior: a dívida com o Biu do DVD, tinhoso na cobrança e com relações mafiosas do Vergel do Lago ao Clima Bom.

Mas tem nada não. Carnaval 2012 tá ai. Enquanto isso era ir enrolando o credor e aperfeiçoando o “Tchugurugungun”.

XanddyBell e DábliuTecélia tinha certeza de que o povo de Alagoas era que era atrasado, jeca, matuto.

E que em Salvador ou em qualquer micareta Brasil afora, eles, “com certeza” ainda iriam explodir.