Vejam a reportagem:
Desrespeito e violência! O Brasil inteiro viu. Uma escrivã foi despida, de modo aviltante, ultrajante e brutal, a fim de que os policiais obtivessem uma “prova” sobre um determinado crime por ela, a princípio, praticado.
Indignação! Este é o sentimento que me acomete.
Tudo foi filmado e, mesmo assim, assistimos a uma aberração.
Mas e o que não é filmado? O que se passa longe de nossos olhos?
Será tudo tão absurdo assim?
Lamento, mas talvez a resposta seja sim.
Várias foram as infrações ao Código de Processo Penal (CPP) neste caso da escrivã despida de suas vestes e de sua honra: uma delas é o fato de que a busca teria que ter sido realizada por uma mulher, já que feminino era o gênero da “investigada”. Mais outra: nenhuma busca pode se amparar por meio da truculência. Além disso, os crimes a ela imputados não justificam tal escárnio (nenhum crime se justifica!) para com o direito de defesa e preservação da dignidade da pessoa humana, estraçalhados neste triste acontecimento.
Nosso CPP não estabelece este tipo de busca com relação a qualquer prova de crime. Ela deve ser executada “no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca domiciliar”. Isto é o que manda a Lei.
E no caso da escrivã, nada disso existia. O CPP foi rasgado de modo vergonhoso pelos policiais que deixaram nua a escrivã, e que também atentaram contra os preceitos da intimidade e da privacidade, sagrados de acordo com nossa Constituição Federal.
Este foi mais um episódio grave que quase caiu na injustiça por meio de um Ministério Público que se mostrou omisso e por uma Corregedoria de Polícia que se mostrou conivente. Tudo no estado tido como mais rico e mais desenvolvido do Brasil: o Estado de São Paulo.
Não fosse a imprensa ter denunciado o fato em uma atitude corajosa e cidadã, teria se perpetuado mais um caso de violação da justiça em nosso Brasil. A imprensa fez ver ao governador de São Paulo o tamanho da arbitrariedade. O rei mostrou-se nu. O governador determinou apuração e rigor após ser agendado pela mídia.
Eis o ponto aqui principal: se policiais – em tese homens da Lei – fizeram isso com uma escrivã de polícia (não se questiona aqui se esta cidadã é ou não é criminosa) o que poderão fazer com um cidadão comum em busca de supostas provas ou indícios?
Comigo, ou com você, como agiriam?
A ação policial deve ser objeto de apoio e incentivo. Policiais devem atuar com energia, destemor, pró-atividade. Mas nunca com gestos fora da Lei. Se assim o fazem, aos bandidos se igualam.
E se a escrivã (sendo ou não sendo criminosa) fosse nossa irmã, nossa mãe, esposa, filha, amiga?
E se fossemos nós a vítima de tal excesso covarde?
Não podemos nos render ao argumento banal e simplista (e ilegal no Brasil) de que “bandido bom é bandido morto”.
Bandido tem que ser julgado e, se provada a sua culpa, condenado, indo cumprir sua pena.
O caso da escrivã nos ajuda a conhecer um pouco mais da psicologia de nossas instituições policiais.
E, por pedagógico, poderá nos ensinar um pouco mais sobre os intoleráveis casos de abuso de autoridade policial que ainda humilham nossa dignidade.
Nossas roupas e nossa decência não podem ser descartadas pela polícia.
Assim como nossos corpos e nossa consciência não podem permanecer desnudos em razão da incompetência de quem deveria preservar a legalidade.