Cresceu com um dom paranormal, naqueles anos 20 do interior do nordeste.

Usava sua “magia” para cobiçar a mulher do próximo.

Tinha nome de profeta e vivia de saia em saia embasado no poder de adivinho de jogo do bicho.
 
Este era Salomão.

Na cidade sertaneja de Cananéia todo mundo já conhecia seu dengo e sua malícia. Dizia que “era nada não”. Mas, de certeza, era verdade sim. Quem sonhasse, disputava seus palpites.

Principalmente se mulher fosse.

Sempre era "batata". Acertava cabeça, terno de grupo, milhar... era só ter candidata à sortuda.
E cobrava “umazinha” pelo benfeito.

Foi assim como Doralice, 18 aninhos, virgem de nascença. Chegou lá toda “murcha”, carinha de danada, vestidinho de chita, dizendo sonho com vigário: Padre Seixas, sósia de Frei Damião de Bozzano, fazia todo dia de 13 de dezembro a Missa de Santa Luzia com foguetório e quermesse.

Não deu outra: ele juntou o 13 da Santa e do galo, com o 8 do camelo inspirado na corcunda-corcova do sacerdote e o 5 do cachorro e do total de barracas que a igreja instalava na praça Matriz.

Ela faturou o terno de grupo. Ele o fogo jamais “queimado” da novinha fogosa.

Mulher casada também sonhava, até tinha vontade do dinheirinho e do “chumbrego”, mas evitava a consulta “prumódinumficá” malvista, malfalada, malquista na vila.

Exceção foi a Marlene do Gilberto, caminhoneiro, transportador de inhame. Que sonho maluco... Gilberto, macacão preto-sujo de óleo queimado, pulando por sobre a mercadoria: foi 17 do macaco “na cabeça”.

E foi o “profeta” “na” Marlene.

Teve também a viúva Glorinha, do finado Praxedes. No sonho o finado voltava, sem camisa, gordo, peludo, para “tirar o atraso”. Ela ganhou com o 23 do urso e ele com a fome de amor da balzaquiana solitária.

A Janete foi história a parte. Chegou lá recatadíssima, seriíssima, papa-hóstia, carola, quase canonizada. Para ele encostar coxa com coxa foi um suplício. A moçoila dormira na noite anterior e vira na mente o pai dando esporro na mãe, que chorava de “arrependimento” por ter dado trela para a cantada vagabunda do Gonçalo “Pança”, eterno Rei Momo de Cananéia.... e a mãe gritava: “ – Ele foi o primeiro, o primeiro, o primeiro...”.

Foi terno de dezena certeiro: 09 de burro para o pai, 33 de cobra para a mãe e 45 de elefante para o “Gonça”... sempre o número inicial das sequências “dezenais” do bicho...

Janete se transformou após o ocorrido: com o dinheiro do prêmio e a safadeza de Salomão virou mulher “da vida”, a fazer a alegria da “homarada” do lugar.

Ia assim, de palpite em palpite, aposta em aposta, amor e amor...

Até que um fato novo colocou o pacato município em polvorosa. O ano era 1947. Lampião já era o morto, mas cangaço ainda havia na região.

E Cananéia fora invadida, tomada, cercada pelo bando de Chico Tripa, cangaceiro “sanguinolento”...

Correria, “buruçu”, medo... e no furdunço reluzia a morena-índia Déia, cangaceira mulher de Chico, valente nas armas e corajosa no “deitar” com homem alheio.

Desde a entrada triunfal do bando em Cananéia, assistida por Salomão do banco da praça Matriz, fora atração fatal. Déia era de “luta” e de cara topou com os córneos do “profeta”.

Naquela mesma noite, foi Chico se agarrar no sono sob efeito de aguardente para a mulher bater na porta de Salomão pedindo “dedo de prosa” sobre sonhos ainda não tidos e desejos a realizar...

Pois bem, na manhã seguinte, Chico se acordou. E que noite depois de muita cachaça com o bando, festejando a conquista de Cananéia!!!

E que sonho maluco fora aquele que teve?

Déia, de noiva, toda de branco, vestido alvo, mas com “roncha” preta. Ele, fraque escuro, mais forte do que o normal, ia se casar mediante vigário. Oxente????

Contou para Alfinete, seu capanga, que soltou a fala de Salomão adivinho. Seria sonho para milhar aquele.

O chefe não precisava dos “cobres” da banca, mas ganhar era sempre bom.

Bacamarte nas costas, peixeira grande no cós do gibão, anunciou em alto e bom som: iria conhecer aquele “cabra da adivinhação”. E já!

Foi a vez que Salomão falhou para um cliente.

“Profeta” disse não ter aposta, nem visão. Alegara “stress emocional”, coisa de entidade extraterrena, “spritu” faltoso, preguiçoso, malemolente...

Prometera a Chico que no amanhã imediato, diante de novo sonho, daria o caminho da sorte grande.

O cangaceiro, desapontado mas descrente na crendice do povo, deixou prá lá. Que sabe Déia tivesse sonho melhor...

Salomão, depois disso, nunca mais foi visto em Cananéia.

Soube-se anos depois que ficou rico. Virou empresário na capital, abandonou a leitura de sonhos, passou a atuar no ramo de secos e molhados. Mudou até de nome com identidade falsa.

Morreu nos anos 80, ainda com medo de cruzar com o Chico e ter o bucho cravado por uma faca amolada. Virou lenda na região.

É que naquele longiquo 1947, após o “sanguinolento” deixar sua casa, “profeta” pegou todas as economias guardadas no colchão... e de cavalo foi até Araripina. Lá apostou tudo no milhar da sorte.

Enricou com o 2521.

O número 25 da vaca malhada da Déia.

O número 21 do touro do Chico.