De todos os aniversários que já comemorei, e já foram 60, é este agora o que mais me marcou. E não é porque cheguei aos 60 sem cicatriz na alma nem no corpo, mas porque sinto que consegui fazer amizades sinceras e que não fui assim tão inútil quanto me aflora às vezes a autocrítica.

Foram muitos erros, e muito mais que 60, mas nenhum praticado de forma deliberada para ferir alguém. Claro que houve excessos e faltas; claro que há arrependimentos por atos que, se o tempo me devolvesse a oportunidade, não tornaria a praticá-los.

Cheguei aos 60 na certeza de que não fiz nada chegar. Pelo contrário, se Deus me cobrasse hoje pelos excessos ainda assim me sentiria privilegiado por Ele – que me salvou de tantas.

Aos 10 anos escapei da morte, quando caí entre um vagão e outro ao tomar bigu de trem. Fui salvo pelo “seu Nezinho”, um ferroviário amigo do meu pai e que me segurou. Mas não escapei da “surra”, pois o “seu Nezinho” contou a travessura para meu pai – que me castigou.

Aos 18 anos, servindo ao Exército, saltei do “cabo-aéreo” antes do local indicado e cai em pé sobre o galho do cajueiro – que amorteceu a queda de um soldado desastrado e pesado: com o capacete de aço, o capacete de fibra, a mochila pesando15 quilos nas costas e o FAL.

Com o peso o galho do cajueiro se partiu, mas livrou-me das seqüelas de uma queda de 10 metros de altura no leito seco do Reginaldo – que corta o quartel do antigo 20 BC.

Depois, com 19 anos, numa manobra com munição real em Aldeias, que é o campo de treinamento do Exército em Recife, a agilidade do tenente Ciro (hoje médico pediatra de minha neta Letícia) salvou o pelotão que atravessava o charco sob fogo cruzado de morteiro e cujas granadas deveriam explodir em segurança muitos metros a nossa frente. Disseram que era só para a gente se acostumar com o “silvo” que a granada produz ao ser lançada do morteiro até explodir no solo.

Contaram depois que um erro na graduação do ângulo de tiro fez a granada explodir perto do pelotão que o tenente Ciro comandava. Eu e o companheiro Fagundes estávamos próximo do tenente quando ele nos empurrou para os lados gritando:

- Deita porra! Deita!

Jogamo-nos no chão e a granada explodiu na nossa frente. Essa cena jamais será apagada da memória, porque todos nós ali nascemos de novo naquela manhã – pelo menos foram os comentários que se seguiram.

Não era o nosso dia.

Depois do serviço militar veio o “hippie”, em Recife, no embalo dos garotos que amavam ( e ainda amam mesmo sem serem mais garotos) os Beatles e os Rolling Stones. Mas, um “hippie” estabelecido e graças a outro amigo do meu pai, o Jarmelino Jorge, morando no quitinete 503 do Edifício Califórnia, em Boa Viagem – e quem conheceu o Califórnia no começo da década de 1970 sabe do que estou falando.

O Jarmelino foi líder sindical (Correios) e preso político na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Ele ficou na mesma cela do ator e escritor Mário Lago – que o cita no livro “1º de Abril” sobre o golpe de 1964. Pois bem; o Jarmelino apelou para um amigo que era gerente da Casa Viana Leal, e dono do quitinete onde passei um bom tempo aprendendo naquela “universidade pública e privada” – que era o Califórnia.

E de aventura em aventura o tempo foi passando para marcar ele mesmo o futuro – que também pregou suas peças. A vontade de ser agrônomo foi interrompida pela chance de ser jornalista, embalado pelos conselhos do saudoso Freitas Neto e a força do meu primo-irmão Ailton Villanova – que me levou para o Departamento de Jornalismo da Rádio Gazeta, onde comecei. E onde aprendi reescrevendo as notícias das agências UPI, France Press e AJB.

Na época não havia em Alagoas curso de Agronomia, nem de Jornalismo. A aprendizagem sobre a técnica jornalística veio pelos ensinamentos do saudoso Manoel Alves Feitosa, Valmir Calheiros, Márcio Canuto, Dênis Agra e o próprio Freitas Neto.

E o que nos faltava pela ausência do Curso de Jornalismo era compensado pelos livros e pelas análises que se fazia sobre os jornais do Sul do País, especialmente o saudoso Jornal do Brasil.

E, novamente, o destino, o Freitas Neto e o Márcio Canuto iriam imprimir outro rumo a minha vida quando me indicaram para o Jornal do Brasil. Isto foi em 1977, e desembarquei no Rio de Janeiro extasiado.

Emocionado com a homenagem que o Cada Minuto me prestou hoje, eu reencontrei a fotografia que imaginava perdida. É a fotografia quando entrevistei o general Figueiredo, o último presidente da República militar, burlando a segurança com a cumplicidade do companheiro fotógrafo Adailson Calheiros – que registrou a cena.

Na época eu estava no Jornal do Brasil e o Editor de Nacional, Jorge Pontual (hoje correspondente da Rede Globo nos Estados Unidos) mandou a pauta sugerindo que tentasse entrevistar o general para perguntar se haveria mesmo eleição direta para governador em 1982.

Era agosto de 1981 e lembro-me bem; até então os governadores eram escolhidos pelos militares.

Mas, como furar o bloqueio da segurança e entrevistar um presidente que não gostava de dar entrevista?

Foi aí que bolei o plano com o companheiro Adailson Calheiros. O general iria almoçar – o almoço foi no Clube da Asplana, em Ipióca – e depois viria com o governador Guilherme Palmeira para uma solenidade no palácio.

Ora, depois do estômago cheio não tem sentinela que não vacile e combinei com o Adailson para ele ficar na saída do palácio. Eu fiquei disfarçando entre uma árvore no jardim e quando o Figueiredo se aproximou para entrar no carro e voltar a Brasília eu me aproximei e consegui driblar os seguranças.

- Presidente, vai haver eleição direta mesmo para o ano?

- Você ta me chamando de mentiroso, é?

- Não, presidente, é a oposição que dúvida.

- A oposição duvida de tudo.

O general entrou no carro oficial e eu fui arrastado pelo cós da calça por um brutamontes que fazia a segurança do presidente e que foi o único a reagir contra o meu atrevimento de repórter.

Mas, valeu à pena porque eu cumpri a pauta. E valeu agora porque eu não sabia onde estava essa fotografia.

NB Quero agradecer a todos que se manifestaram nessa data. Ao França Moura, ao Carlos Melo, ao Joaldo Cacalcante, ao Ricardo Mota, ao Marcelo Firmino, a Bleine Oliveira, Michelle Farias, Elô Baeta, Layra Santa Rosa, Tiago 1 e 2, ao Wadson Régis e a Monique, ao Paulo Omena, ao Wilson Araújo, aos meus filhos Walace, Zé Aprígio, Nelson, Thaísa, Jorge Ricardo, Débora, ao Wolnei Malta, a Gilca Cínara, Glécio Rodrigues, Maciel, Jonathas Marresia, Deraldo Francisco, ao advogado Jéferson Marcelino, ao Wadson Correia, Luiz Dantas, Ângelo Farias, Pinto de Luna, Tereza Cristina, ao meu cunhado Apolinário, a minha mulher Nailza – e esta uma heroína rara; enfim, a todos os que fazem o Sistema O Jornal de Comunicação, e ao Cada Minuto. Que Deus os recompense em dobro pela alegria que me proporcionaram hoje.