Severiano Silva, sessentão e aposentado, ou “Severo da Rinha” como era mais conhecido, tinha duas paixões: menina nova e briga de galo.

Para com “Esporão de Ouro” tinha mais que adoração. Era só chamego com seu galo preferido.

Gordo e durão nas carnes, pena grossa e avermelhada, crista imponente, bico afiado e pontiagudo, brigão, algoz de ave macho na rinha de Macaúbas, “Esporão” era rei.

Para com Nininha, Severo tinha mais que fetiche. Dona Amélia, a patroa, meio míope, nada tinha de besta. Desconfiava que o marido fazia “saliência” com a empregadinha, 19 aninhos, flor da idade e do pecaminoso, curvilínea aguda e morena cor de cravo, cor de canela.

Enfim, o flagrante. Alta noite, deu sede, Amélia da cozinha, viu meia luz, ouviu sussurro de safadeza. No caminho do quartinho de Nininha, o som da licenciosidade que ia crescendo se tornou inconfundível quando colou a orelha a porta.

E pelo ferrolho a vista cansada pode ver uma careca branca num sobe e desce entre coxas moreníssimas, torneadas, brejeiras. Era a prova da traição sempre sabida, mas nunca tão escancarada.

Iria ter vingança!

No final de cada mês, a rinha se enchia de gente. Eram homens com seus galos a brigar, apostando salário, colheita, aposentadoria... de trocado surrado a carro do ano, de bebida “de rico” à “volta de ouro”.

“Esporão” era imbatível. Apanhava um bocado, mais cravava sempre mais, e com mais violência ferina, o dorso do inimigo. Era suor, sangue e penas em batalhas sob a névoa de fumo e cheiro de álcool. E o galo de “Severo da Rinha”, vencedor, dificilmente perdia a briga. Êxtase para uma “homarada” barulhenta.

Naquela noite, duelo agendado: “Esporão” contra “Diabo Galego”, pertencente a um sujeito que vinha lá de Barreiros. O dia todo, “Esporão” descansou no terreiro, majestoso em sua casinha “de cachorro”, mantida exclusivamente para ele, mimo de Severo. “Esporão” tinha tudo, enxoval, touca, meia, só comia milho especial e o seu de beber não vinha da cacimba.

A rinha era só de noitinha. Era o galo a se concentrar e Severo a percorrer Macaúbas e colher aposta. “Diabo Galego” veria o inferno em poucas horas.

Sabida, para Nininha Amélia deu folga inesperada. A esposa era quem faria naquele dia a arrumação da casa e do marido sozinha. De tarde foi varrer, arrumar a janta, engomar camisa de Severo. Tudo planejado, maquiavélica a megera.

O homem chegou afoito, apressado, já em atraso para a rinha. A noite caía e o embate era comentado por 101% dos desocupados e dos apostadores da vila. “Esporão” iria brilhar, maligno que era. Com o dinheiro da aposta ganha, Severo passaria final de semana escondido com Nininha luxando na capital, comprando vestido novo e perfume no “xópi”.

- O mulé, cadê Nininha? Perguntou o pecador. 

- Pai doente, dei folga! Respondeu a traída.

- Bota o de comê? Ordenou o marido.

- Chegue! Canjinha visse! Dizia a esposa!

Sem tempo para pensar, Severo se aboletou. Nem reclamou da comida de doente. Sovina, pensou bem da mulher, econômica, deixara a coxa e o peito para o domingo, e Nininha, de folga, era boa também em cabidela.

Canja gostosa, asa gorda daquele frango de granja. Pé farto, até carnudo, dedos gostosos de chupar, unhões.

Comeu bem! Levantou-se, pegou o carregador de galo, ia vestir “Esporão”. Mas nada encontrou no terreiro e na casinha só um papel com uma frase rabiscada:

- A cabeça dei pra Nininha. Foi as conta dela!

Foi quando Severo da Rinha caiu na real.

Devorara “Esporão” na canja, preço pago, e caro, pela tentação das carnes da empregada gostosa. E perdera a empregada gostosa, demitida pela mulher que via mal, mas cega não era.

Naquela noite a rinha ficou de luto. Para a multidão de apostadores, Severo alegou gripe aviária, com morte súbita.

Voltou para casa raivoso, doído e muito no peito, órfão de pai-galo, mas ciente de sua pisada de bola com a patroa. Deitou ao lado de Amélia, que fingia dormir o sono dos justos. Rindo-se muito por dentro, vingada dos córneos.