Resguardado em geral o segredo de justiça ou o envolvimento de menores de idade, o Estado Democrático de Direito prevê tratamento igualitário a todos os cidadãos quanto ao conhecimento que o público deve ter dos nomes de quem é processado judicialmente.
Se João é processado por roubo, se Manoel por furto e se Severino por tráfico, cabe ao judiciário, em respeito à transparência total a que este deve primar, tornar público os nomes destes cidadãos, preservando-lhes de modo fiel todas as garantias à defesa, ao contraditório e à dignidade.
Isso sem alardes, sem pirotecnia, sem midiatização circense.
Tornar público não significa carnavalizar a lista de acusados, expor de modo irresponsável e inconsequente biografias e famílias, macular honras sem decisões finais do Tribunal.
Significa fazer com que, simplesmente, o cidadão comum possa conhecer quem a sua Justiça está a julgar.
Ora, se um pai faminto furta uma galinha para alimentar seus filhos, seu nome é divulgado. Se determinado homem público é acusado de desvio de recursos, sua identidade é revelada.
Agora neste Brasil de tantos contrastes, antíteses e pesos desiguais, uma medida do Supremo Tribunal Federal comove pela desnecessidade e pela afronta ao princípio de publicidade, base dos atos públicos.
Está vigente desde agosto de 2010 no STF a determinação de ocultar os nomes dos acusados em inquéritos que tiveram como origem o próprio Supremo Tribunal Federal. E estes inquéritos são, justamente, aqueles abertos contra brasileiros como ministros de Estado, senadores e deputados federais.
O nome destes homens e mulheres, por eles possuírem foro privilegiado, não estão plenamente acessíveis, por exemplo, no site do STF em virtude desta “inovação” do Judiciário nacional.
Hipoteticamente é assim: se o nome constante processo é José da Silva, e José da Silva é deputado federal, dele no sistema de informação do Supremo somente aparecerão as iniciais J.S. caso ele seja alvo de processo originado na Corte Alta do Brasil.
Se o atual momento fosse somente tempos de TV Justiça, internet, WikiLeaks e afins, tal medida já seria descabida pela sua face inócua e bizarra.
Será que um Tribunal respeitabilíssimo como o STF ainda acredita que somente divulgando as iniciais de um nome a opinião pública se privará da informação real quanto a quem é o processado? A ingenuidade neste caso é imensamente proporcional à ineficácia e cafonice da medida.
A iniciativa de divulgar somente as iniciais das autoridades processadas dificulta sim o acesso aos nomes, mas não as veda da publicidade. Mais ainda, servirá de material para uma caça de identidades por parte de organismos como a imprensa, prejudicada esta que foi mediante a idéia “original” de nosso Supremo.
Mas o principal é que em tempos de clamor pela transparência da gestão pública, imperativo do Estado Moderno, a determinação do STF soa como retrógrada e como uma ofensa ao direito coletivo e à cidadania.
Se nossa Suprema Corte resolve processar um ministro, um deputado ou um senador é porque há consistência de dados, de indícios e de documentos que embasam tal processo.
Logo, diante da contundência e necessidade de um processo do STF, inscrever J.S. no lugar de José da Silva é no mínimo caricato além de desrespeitoso e, ao meu ver, ilegal.
Fere nossa dignidade cívica e nossa inteligência coletiva, sendo um péssimo exemplo de quem deveria resguardar nossa legalidade plena e pacificar entendimentos com base no justo e no constitucional.