Silvio Santos caminha entre extremos. De mega empreendedor a incauto banqueiro vítima de golpistas. De comunicador genial a fanfarrão dominical mestre em "baboseiras" e "macaquices". De propagador da alienante despolitização à raposa das alianças e dos aliados, nos quais se incluem praticamente todos os presidentes do Brasil desde o golpe militar de 64.
Este mesmo personagem octogenário de nossa televisão nos ofertou, há algumas semanas, uma oportunidade única. No circo de seu “Topa Tudo por Dinheiro” dominical em sua emissora exibiu na íntegra uma pérola da memória política brasileira: uma entrevista de Lula, sim, do presidente que se despede do cargo nesta semana, realizada quando este ainda era candidato ao cargo em sua primeira investida de 1989.
No vídeo, já antigo, um “time” de entrevistadores de “altíssimo nível”: o finado Pedro de Lara, o apresentador Wagner Montes, o inclassificável Sérgio Mallandro, entre outros ícones do que de pior existe na televisão brasileira. Pois bem, esta “tropa de elite” fez perguntas a um candidato então sem esboçar um sorriso, que defendia idéias como a moratória da dívida externa, o radicalismo na articulação político-partidária e propostas vagas no tocante à saúde, educação, moradia e empregos.
Como sabemos, Lula perdeu aquela eleição e os resultados posteriores todos conhecemos. Foi eleito, finalmente, em 2002, assumiu em 2003 e deixa a Presidência literalmente “nos braços do povo”, com 84% de aprovação, em um país que cresce quase que em ritmo chinês, gera empregos, divide riquezas e diminui o perverso fosso que ainda separa os poucos mais ricos dos muitos mais pobres.
Assistir esta entrevista do então candidato é pedagógica. Sugiro que todos os leitores o façam. Isto por três simples motivos. Por três lições hoje compreendidas por nós ao rever um Lula ainda “calouro”:
1) Mostra como que a PERSISTÊNCIA em seguir e perseguir nossos ideais é essencial. Lula, como bom brasileiro, não desistiu. Antes de eleito foi criticado, difamado, ridicularizado. No cargo, foi igualmente alvo de críticas, de golpismos sorrateiros, de covardias, de ilações. Se não persistisse e seguisse seu objetivo, seria ou mais um frustrado ex-metalúrgico ou um frustrado ex-presidente;
2) Atesta que, em política, DIÁLOGO é fundamental. Para vencer as eleições e para governar, Lula, como qualquer outro ser humano político (como todos nós somos) teve que negociar, debater, aceitar e ser aceito. Algumas de suas alianças são criticáveis, outras são repugnantes até, mas todas, para o bem ou para o mal, foram necessárias para a governabilidade do país e para os louros que hoje todos nós colhemos;
3) Mostra que SENSIBILIDADE é a maior qualidade, a maior estratégia e a maior arma de todo e qualquer governante. Lula foi beneficiado por cenários externos favoráveis, pelas políticas econômicas fundantes da era FHC como o Plano Real (plano criticado à época pelo PT, destaque-se), fez um excelente trabalho de propaganda, mas seu governo revela um toque de fraternidade visível em grandes estadistas. Foi o governo, entre os demais, que mais próximo esteve de quem interessa: o povo.
A entrevista no palco do “Show de Calouros” completa 21 anos e, ao ganhar a maturidade, revela-se com a sobriedade da fase adulta. Assisti-la é um convite ao pensar.
Mas, ao mesmo tempo, ela revela algo mágico inerente à história, a qual receberá nosso presidente assim que ele deixar o cargo. Seu lugar está reservado na galeria de grandes homens de seu tempo.
PS.: Para quem quiser conferir, basta assistir à entrevista clicando aqui ou copie o link: http://www.youtube.com/watch?v=torJKF4xbUc