Santana do Ó. Cidadezinha do interior do sertão nordestino, terra de cabra macho, “brabo” e destemido “de um tudo”.

Somente duas estações ao ano: verão e “inferno”. E já era chegado o “inferno”, 45 graus à sombra.

Apesar do calor de “afofar o quengo”, a cidadezinha era famosa nos arredores por causa da sua festa natalina. Bandas de forró guardavam um dia nas agendas para se revezarem na “Maratona do Gonzagão”, evento com 24 horas de música estridente sem pausa.

Na “Maratona” homens de todos os lugares para lá se dirigiam em busca de diversão, folia e amor.

A cidade também era famosa pela quantidade de mulheres solteiras, sendo campeã no índice de caritó.

Era um mulherio desvairado e assanhado na “Maratona”, fossem feias, belas, gordas, magras, pretas, ruivas, louras, amarelas, “encaliçadas”... de mãos pequenas, de pés grandes, de palavreado suave, de tons rudes... enfim, fêmea a granel.

Pedro Fuba, um fino galanteador de mulheres “famosas”, era um “bom vivant”. Vivia liso, mas não perdia uma festança.

Andava sempre com roupas alinhadas, tudo presente das muitas mulheres que conquistara ao longo da vida de Don Juan sertanejo.

No seu “book de famosas” contabilizava manicure de prefeita, ex-cozinheira de mulher de um senador, cabeleireira de prima de segundo grau de delegado, e arrumadeira de motel locado pelo afilhado em terceiro grau do irmão do cunhado de um primo do ex-gerente do Banco do Brasil da agência pioneira de Quiprocó das Couves.

Naquele dia, festa natalina de Santana do Ó, Pedro Fuba estava presente, batendo ponto, pronto para conquista, disposto a engrossar o “currículo”.

E tinha que ser mulher de “estilo”, de “pompa”, de glamour.

Foi quando João do Gás, especialista em botijão e em mulher “roliça”, freqüentador contumaz das festas em Santana, em alto e bom som lhe disse:

- Olha Amorcréa, filha do juiz!

Foi o que bastou para que seus os olhos de Pedro Fuba brilhassem mais do que “ximbra” de menino novo!

Seu coração disparou só em pensar em angariar para seu “casting” a filha de um doutor concursado no posto máximo do Tribunal.

- Juiz? Indagou o galã.

- Sim, filha do juiz Amorildo e da dona Créa de Lourdes. “Sincomóde” não, é meio assim, mais ou menos, mas é “gente fina” a “bichinha”, disse o especialista em “balofa”.

Amorcréa fazia jus ao nome e a trocadilho infame. A bicha era mais feia que sova de arame farpado, mais desengonçada que pirulito na boca de desdentado e era cheia de mungangas.

Uma mocréia de fato e de direito.

Ao mesmo tempo em que piscava o olho esquerdo, levantava o ombro direito e emitia sons guturais estranhos. Sofria de “sovaqueira” perene e sempre andava com camisas de time de futebol da quinta divisão de Santana do Ó. Camisas geralmente muito maiores que seus esguios braços e pernas.

Mas que nada! Pedro Fuba não ligou para nada disso! Afinal ela era a filha de juiz.

Seria um “upgrade” em sua coleção de conquistas.

Logo se aproximou e foi perguntando se a moça tinha companhia. Quando ela piscou o olho esquerdo, levantou o ombro e emitiu um sonoro grunhido, dizendo que não, Pedro até que deu ré, mas pensou duas vezes e voltou com mais carinho para a moça que agora fungava, passava a mão pelo nariz e escarrava aos seus pés.

Ele pensou que tudo aquilo fosse tática para afastar os homens dela. Afinal uma filha de juiz deveria ser muito cobiçada.

- Deve ser “práispantá” pilantra! Pensou o conquistador.

Ao ver a insistência do Don Juan sertanejo, Amorcréa, incrédula e feliz, permitiu-se conhecer e se fazer conhecida pelo simpático DiCaprio da seca, que nem teria ligado para sua feiúra, mungangas e seu desagradável odor.

Dançaram a noite inteira juntinhos, coladinhos, causando espanto e certa ciumeira nas moças da “Maratona”. Afinal, até Amorcréa havia se ajeitado no forró natalino!

Pedro Fuba, dez reais no bolso, quis fazer fama de mão aberta. Logo ofertou a doce Amorcréa uma dose de whisky Drurys para beber e amendoim sem casca como tira gosto para degustar. Para ele um banquete.

O investimento feito na moça valia, mediante sua posição de herdeira de magistrado certamente vestuto e galante, autoridade municipal do Judiciário brasileiro.

A moça deu mais dois grunhidos de felicidade e aceitação da oferta e após a primeira golada fez uma cara mais feia do que cicatriz de talho de foice.

Parecendo “espritada” como se diz no populacho, dançou as 24 horas agarrada a “Pedim”, assim chamado carinhosamente pela donzela.

A praça inteira, repleta na “Maratona”, não tirava os olhos do casal. Um fato histórico na tradicional cidade, no esperado festejo, Amorcréa enfim desencalhara. E com gosto! Que gosto!

Suor às bicas, odor de sovaqueira no ar, os dois quase a sós no forró, Pedro, já embriagado pelo perfume exalado por sua parceira, resolveu dar o bote e convidá-la para um “acompanhamento” até a moradia da manceba, a fim que estava em conhecer seu pai.

O mico de se atracar com Amorcréa valeu a pena. E se valeu! Iria freqüentar o fórum sendo “xumbeta” do sogrão. Com o prestígio, iria desmandar e mandar em Santana, no cariri e no sertão todo!

Na capital, então, seria recebido por desembargador, seu “charme” o faria irresistível na sede no Tribunal de Justiça. Se fosse à Brasília, as “gatas” do Supremo que se cuidassem.

Amorcréa, pelo status do pai, valia o esforço. Era sua consagração!

Com filha de gente importante, não podia titubear. Iria por em prática seu plano infalível: pedir a mão da moça em casamento já! E daí “se daria de bem” colocando sua presa imediatamente “na horizontal” mediante este pedido, na primeira noite mesmo, na "moitinha" por detrás do palco.

Pedido feito, pedido aceito, Pedro e Amorcréa se amaram loucamente, tendo ao fundo o som de “Chamego de Menina” e na pele muita picada de maruim.

Recompostos, agora era a hora!

- Amorcréa meu grande amor. “Leve-me-eu” até seu papai! Sua mão “pedi-la-ei”. Creio que ele me “concerde-la-á” o prazer de “desposá-la-já” e, assim, “traça-la-ei” ao infinito! Disse Pedro, caprichando nos erros de uma colocação pronominal mal aprendida no supletivo.

E ambos, de mãos dadas, partiram para a casa da nubente.

Chegando lá, espanto.

- Que gente humilde! Pensou, maravilhado.

- Deve ser juiz honesto, turrão, beneficente, dado a ajudar os pobres e viver franciscano! Imaginou Pedro.

Amorcréa morava um casebre pobre, de taipa, dois cômodos em um bairro muito, mas muito distante do centro de Santana do Ó.

Muitos homens na porta, todos de uniforme azul e calção.

- Penso que são os seguranças do magistrado, homem que com sua postura combativa e proba deve de ter proteção especial. E eles devem estar com farda de atividade física, em manhã de treinamento! Falou para si mesmo!

A 200 metros da porta, um homem todo de preto sai de casa.

- Sabia, “tali” o chefe da guarda! Meditou o rapaz!

Até que o homem olha para o casal e apita com força. PppppppppppiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIiiiiiiiii!!!!!!!!

- Amorcréa, meu amor, informe ao chefe da segurança de seu pai que a acompanho e que não preciso de cerimônia ou marcha solene em minha recepção! Disse Fuba, sendo cortado pelo grito do dono do apito!

- “Pra” casa sua “senvergonha”! E este nojento, quem é?

- É meu noivo, “PAINHO”, respondeu Amorcréa.

E, olhos nos olhos do futuro marido, a menina explicou:

- “Pedim, meu amor, meu pai ganha dez reais por partida quando apita os jogos do Santanense, e como ele caiu para Quinta Divisão do sertanejo, só joga de quando em vez. Mas “borá lá” que ele vai ficar feliz da vida ao saber que arrumei um marido na festa de Santana e finalmente “mainha” vai pagar a promessa a Santo Antônio feita há mais de 23 anos. E tu podes ser gandula, se quiser”.

Juiz o pai de Amorcréa até que era.

Mas juiz de futebol.

Fosse de várzea, fosse de divisões muito ou “maximamente” inferiores.

Pedro desfez a promessa de casório, mas ficou a partir daquele momento conhecido pela alcunha de Pedro de Mocréia.

Nunca mais voltou à “Maratona” e até hoje é lembrado como o “destemido” homem de fé que encarou uma mocréia dragão sem dar cartão vermelho de cara e na cara.