Esmeraldino Pontes de Vieira Neto era o nome dele. Nome que ele odiava. Natural de Olivença, ex-contínuo do Produban, com o dinheiro do PDV do banco comprou uma casa no Santo Amaro e lá vivia de sua venda, abastecendo o bairro com cachaça em retalho e no varejo, além de fornecer também gêneros de primeira necessidade: farinha, vassoura de palha, painço, água sanitária, fumo de corda...
Nos anos 80, foi parar no Rio de Janeiro. Passou dois anos em Realengo e noivou com moça de Belford Roxo, sem consolidar casamento. Solteiro estava, solteiro ficou.
Quando voltou, nos idos de 82, incorporou a nova naturalidade ao nome. O antes Neto Olivença virou Neto Carioca. Quem chamasse de Esmeraldino, levava carreira.
No antigo Produban da Rua do Comércio, nos caixas da saudosa "Lobrás" e nas bilheterias do eterno Cine São Luiz, todo mundo conhecia o “menino do Rio”.
Em Copacabana, foi garçom em hotel de grã-fino. Aprendeu o que é vinho bom, charuto cubano, uísque original escocês 18 anos e incorporou um elemento a mais na sua estampa e na sua fonoaudiologia: o “tch”, o “rr”, o “ch” e o “xs” em qualquer fonema, palavra, oração ou sentença.
Sim, Neto Olivença, ou Neto Carioca desde 82, falava com sotaque da cidade maravilhosa. Eram acentos, entonações e chiados que lhe renderam o apelido de Neto Boca de Apito.
Fúria maior que chamar de Esmeraldino? Gritassem no Santo Amaro qualquer frase com a palavra “boca”!
– Bando de “filhoxxxssss” da p...! Vai tudo pra p... que “lhexxxsssss” pariu! “Xeus echssssscrotos”!
Descolado, aos sábados Neto Boca de Apito se transformava. Camisa florida, bermudão e tênis com meia branca, mesmo de noite, óculos escuro. Um verdadeiro turista! Seu destino era se “arrumar” com as coroas da orla, sulistas ou gringas de passagem por Maceió.
Para elas, ele era Dr. Pontes, ou Dr. “Pontchesssssss”, “adtchivogado” de “grandchessss clientchissss” no Rio “dche” “Xxxxaneiro”.
Naquele sábado, como de costume, Neto Boca de Apito fechou a venda às seis da tarde. Banhou-se, trocou-se, perfumou-se. Pegou seu Gol “bola” 98 e deixou “echssssstacionado” na “Xangadeiiiruchssss” Alagoanos, para não dar bandeira.
Às oito, noite afora, seria, como já era, Dr. “Pontchesssssss” em pessoa. Em especial naquele sábado, quando Neto tinha visto na TV que um navio de cruzeiro tinha chegado no porto.
Mulherio solto e carente, ainda mais “loncheeee” de casa, era sua “eschhsssssspecialidade”.
Na barraca da orla, Neto sentou no meio da turistada recém descida do ônibus de receptivo. Um grupo de seis loiríssimas, faixa etária superior a 40, todas lindíssimas, sozinhas se divertiam numa mesa.
Neto enlouqueceu! Era demais. Seis de uma vez! Uma já seria a glória.
As turistas paulistanas olhavam aquele senhor elegante, moreno bem apessoado, gel no cabelo e corpo enxuto, com copo de “uíschhhhhque” caro enrolado no guardanapo, charuto Cohiba "presentchinho" do Fidel aceso e reluzente, um senhor de pose impecável. Daí para o convite à mesa foi um pulo.
– “Putz”, que calor hein? Mais que no Rio “dche” “Xxxxaneiro”. Ainda bem que minha “coberrrrrtura” no Leblon tem ar “schplit” em tudo que é canto e que meu BMW novinho “xxxxxegou”, todo “frexxxxsssquinho” por dentro!
Neto era só vantagem a contar. Das “causachsssssss” “milionáriachsssssss” do “ichhhscritório” à coleção de “vinhochssss caberrrrrrrrnêê” que mantinha na “aaaadéga”.
Até que na calçada, surgiu Nando Caroço, ambulante de amendoim, nascido e criado no Santo Amaro, desafeto em gozação de Neto. Logo Nando, o maior agitador da parte alta da capital.
Ao avistar Dr. “Pontchesssssss”, Nando não se conteve:
– Diga seu Neto!
– “Oh” “mulhhhheque” “ichsperrrrto”! “Ajjxxxudo” “echste” guri sempre que venho a “Maceióóóó”! Justificou às galegas, com fala carioca e meio sem graça o “baichhhhhharéu”.
Percebendo o enrosco do dono da venda, cinco minutos após, nova provocação do Caroço.
– Seu Neto, cadê? Booooooocaaaaaaa! Booooooocaaaaaaa! Booooooocaaaaaaa!
– “Aiêêê”, é que na Copa o Dom “Dchiego” autografou uma “camiiisa” “manera” e eu trouxe pro “mulhhhheque”. Sou “Buoca” “Rúúúnior” “duentcheeeeee”. Maradona “velechhhhha” no meu “barrrrrquinho” comigo lá em “Paratchiiiii”, disse ao mulherio já à beira da incredulidade.
Neto já estava azul, vermelho, roxo. Próximo à explosão. As turistas nada entendiam. Até que veio o golpe final do Nando.
– Neto Boca de Apito, “tu nasceste” em Olivença “abestado”! Deixa de tua “lombra” “chumbeta” do sertão!
Foi a gota d’água! Neto em transe de raiva, começou a urrar:
– NETO BOCA DE APITO É A P... QUE TE PARIU E O CORNO MANSO QUE TE “AMASSÔ” SEU “FII” DA “PESTCHE”, “FII” “DUMA” “BOBA” SERENA. “VÔ” “TI” PEGA “LACRAU” DOS “INFERNO”. “PASSO-LÊ” A “PECHERA” NO “BUCHU” SEU “MARDITO”, “CABA” SAFADO, NOJENTO. SE “AVEXE” NÃO, “GALALAU” SEM-VERGONHA, QUE “VÔ” QUE TE “MATÁ” QUEM NEM UMA CATENGA “VÉIA”. TU “CUM” AS TUA “MUGANGA” E “CUM” TUA CARA “DIÉGUA” VAI “APRENDÊ” A “MANGÁ” DO SATANÁS, “VÉIACO CAGADO”. “VÔ” DEIXAR SUA CARA CHEIA DE “RONCHA” E PRETA QUE NEM “CHIMBRA”, “PRÁ” TU “DEIXÁ” DE “BULI” “CUM” “HOMI DI BEM”, SEU “FOLOZADO”. “TO AQUI “APULSO” E POR CAUSA DAS “MADAME”, SE NÃO JÁ TAVA AI “ARENGANDO” E “DANDO” “TAPONA” NESTA TUA CARA DE “BESTCHA”. “MAIS” NUM “VÔ” DEIXAR VOCÊ “DISCABRIADO” NÃO “CABA DE PÊA”, QUE NUM “SO” “HOMI” “PAIA” NÃO. “ARROXE” AÍ QUE O QUE É TEU “TÁ” GUARDADO”. SEU “XÔXO” DOS “QUIBA” MOLE!
A barraca parou! Riso geral da platéia!
Quando caiu em si, só viu Nando rolando de rir, “se abrindo todinho”, literalmente.
E a mesa vazia, sem as madames, que saíram à francesa durante o ataque.
Diante do vexame do auto desmascaramento público e traído pela linguagem, restou a Neto Carioca os secos e molhados do Santo Amaro.
E aposentar, para sempre, o Dr. “Pontchesssssss” de suas visitas noturnas às barracas da orla.