É interessante estudar o que está passando com o direito de família no Brasil. Não posso me considerar um estudioso da área, mas apenas um interessado no assunto, dadas as minhas condições pessoais de envolvimento com o tema da guarda compartilhada. O recente congresso do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) foi revelador.

Uma coisa boa precisa ser destacada. Trata-se do rompimento com teses extremamente conservadoras que já não mais se adequavam à realidade da família brasileira. Isso significou o reconhecimento do valor do pai na formação da criança e a ideia de que a convivência com ambos os genitores é o ponto essencial a ser debatido nas questões sobre guarda de filhos, entre outros avanços, como a defesa da não intervenção do Estado na família.

Porém, nem tudo são flores. Parece-me que as pautas liberais que o IBDFAM leva para seus congressos está distanciando o direito de família de uma análise mais científica. Algumas visões que ainda não estão consolidadas na jurisprudência brasileira são apresentadas aos estudantes e profissionais como se fossem coisas incontroversas.

Em uma das palestras no congresso, pude ouvir que seria juridicamente possível um “contrato de geração de filhos”. Nesse contrato, pais que não poderiam ter filhos naturalmente, recorreriam a técnicas de reprodução assistida com a chamada “geração de substituição”, também conhecida como “barriga de aluguel”. Até aí, nada de novo. O problema é que, no direito brasileiro, a chamada “barriga de aluguel” está regulamentada pela resolução Conselho Federal de Medicina de nº 1.358/92 e só pode ser feita quando existe uma relação de parentesco entre a doadora temporária do útero e a doadora genética, até o segundo grau. Ademais, em nenhuma hipótese, essa relação pode ter caráter comercial.

Isso não quer dizer que esse tema não esteja em constante discussão sobre a ampliação das hipóteses para a realização desse tipo de procedimento. Todavia, hoje, está longe de ser consenso que a barriga de aluguel possa ser realizada em quaisquer hipóteses e por meio de um “contrato de geração de filhos”. A coisa não é tão simples.

Aliás, é justamente quando o direito de família esbarra com as questões bioéticas que o liberalismo moral defendido no IBDFAM encontra as maiores resistências. É que aí a coisa começa a atiçar questões que não envolvem somente uma moral conservadora, mas sim problemas mais profundos de bioética, como os limites para a geração de filhos por técnicas de RA e suas consequências para o futuro.

Outro ponto que me incomoda é a insistência na substituição da noção de filiação biológica pela filiação afetiva como critério jurídico básico para a definição da filiação. Isso é um dos exageros na corrente que domina o direito de família atualmente no Brasil. Gosto de provocar meus colegas com a argumentação sobre os casos de subtração de menor. Levada até as últimas consequências, a afetividade poderia legitimar atos ilícitos.

Se a filiação é meramente cultural, o que justifica a angústia dos pais e filhos quando descobrem que estão vivendo numa família não biológica? O que justifica tanta confusão quando, mesmo depois de anos, a família reencontra o filho tirado ainda na maternidade, vivendo com outra família?

A filiação não é meramente cultural. Isso se “cultural” estiver significando o contraditório de “biológico”. É que ser a filiação cultural não a separa dos vínculos primitivos que a biologia impõe ao conceito. Então, faz parte da nossa cultura a ligação da filiação à relação biológica. A filiação biológica ainda é o critério principal no direito brasileiro.

Como se vê, o direito de família brasileiro ainda não é tão liberal quanto o IBDFAM gostaria e isso não fica claro nas obras dos autores que representam tais correntes. Saber como o direito é hoje aplicado de fato é um importante instrumento de crítica. Por isso, ciência do direito não pode se confundir com militância política.

Nada disso, todavia, apaga as importantes conquistas do direito de família no Brasil, e o IBDFAM é parte disso tudo.