Nivaldo odiava Esperança, a velha. Só que a velha era mãe de Gloriane.

Gloriane era mãe dos filhos de Nivaldo, e casada com ele este estava há 13 anos.
Genro e sogra não se bicavam.

Nivaldo provocava. Não tinha emprego, e também não procurava, nem fazia questão.

Vivia da renda da mulher, servidora pública e esposa dedicada. Não fazia arruaça, mas seu ponto certo era o circuito de botecos do Bebedouro. Era estudado, tinha até feito curso de informática, todavia pegar no pesado, ou no leve, nem pensar.

Esperança tinha tudo, por todo o corpo. E queria, como diz a máxima, ser a última a morrer. Tinha impigem, hipertensão. Cardíaca e safenada, sedentária e obesa acima de tudo. Mas havia um órgão na velha que era pleno de saúde: a língua.

Língua hábil e invejável quando o alvo era Nivaldo. Para ter confusão, bastavam aqueles finais de semana em que mamãe saia do interior e vinha para a capital passar feriadão na casa da filha.

Era Nivaldo abrir a cerveja, e a velha largava o esculacho de bebum em cima dele. Chegava a turma do baralho, e no falatório alto de Esperança era tudo vagabundo. Na mesa, arroz, feijão, salada e bife, mas a velha só comia pescado e se não tinha, era porque Nivaldo era muquirana e fazia questão com o dinheiro da mulher.

Mas haveria o dia da desforra. E Nivaldo arquitetara seu plano. Dia de eleição, feriadão de finados e, por cima, Halloween no domingo 31 de outubro. Na TV, o programa de humor-escrachado pedia vídeo da “Bruxa Mais Bruxa do Brasil”.

Disposto a radicalizar na vingança, Nivaldo estimulou Gloriane:

- Traz a Esperancinha pra cá. Tô com uma saudade da minha docinho!

Gloriane não entendeu, desconfiou, mas atendeu o marido. Na quinta à noite, véspera do feriadão com início na sexta, chega a velha na casa do herói. Nem boa noite ofertou ao dono da casa.
Nivaldo, com câmera de computador escondida no quarto, tinha o plano diabólico de filmar as intimidades da velha e mandar, pela internet, para o programa.

A vingança de Nivaldo passaria em rede nacional. Humilharia Esperança expondo-a ao ridículo na TV. Ela roncava horrores, sofria de flatulências estrondosas a noite toda e só dormia de robe vermelho e preto.

Um figurino quase de Exu, só que sem a divindade do orixá, e em corpo não tão esbelto quando na imagem afro sagrada.

Na primeira noite, plano executado. Cedinho, Nivaldo conferiu as imagens. Perfeitas para seu fim. A velha soltou traque e roncou a noite inteirinha. Como a câmera estava escondida na cômoda, com o computador embaixo do móvel, ainda teve desfile de robe rubro negro e tudo mais. Tudo filmado e registrado.

Nivaldo fez edição caseira no vídeo, deixou o rosto de Esperança na penumbra, cortou cenas de despudor, preencheu a ficha completa de inscrição e mandou o material pela internet para a emissora em São Paulo.

Domingo à noite, Halloween, TV sintonizada no programa (para desagrado de Esperança, que achava aquilo coisa de sem vergonha). Iam ser anunciados os vídeos concorrentes do “Bruxa Mais Bruxa do Brasil”.

Um a um, as imagens caseiras iam passando, para histeria em risos da platéia e da audiência.
Nivaldo se deliciava. Só faltava a velha fazer papel de palhaço em cadeia de TV. Até que se anuncia “um vídeo de Maceió”. Era agora: na tela, uma cena horrenda. Era ronco, ventosas e closes de barriga, em preto e vermelho, da velha deitada, ou andando pelo quarto. A platéia delirou!

Na sala, Nivaldo rolou de rir. Gloriane se revoltou e apontou para o marido. Afinal, teria sido ele quem mandou a mamãe para a TV? Esperança ficou amarela, roxa, azul, vermelha de raiva, quase enfartou. Ia partir para cima de Nivaldo, não fossem a pressão alta e a fadiga.

O telefone começou a tocar. Teve gente que reconheceu aquele rosto e aquele robe inconfundível.
Foram quinze minutos da desforra de Nivaldo. Vingança feita. Velha desmoralizada.

Telefone insistente, Gloriane não queria mais atender ninguém. Mas ao pegar o gancho e esculhambar de novo quem estava do outro lado da linha, aos poucos Gloriane foi afinando a voz. De ira, sua face começou a expressar contentamento. O que? Poderia sim! Cachê de quanto? Iria sondar a mamãe! Ah, já na segunda, com van, motorista e passeio inclusos? Era só mandar as passagens!

Quando desligou, olhou para Esperança, que se abanava na poltrona, e disse:

- Mamãe, são dez mil mais hotel, avião, motorista e tudo pago em São Paulo! A gente vai amanhã, na segunda, faz compra na 25 de Março, no Brás, vai a Aparecida, até tenta ver o Padre Marcelo e no domingo você vai no programa. Querem a senhora na final do “Bruxa Mais Bruxa do Brasil”.
Esperança mudou de expressão. O mal já estava feito, a proposta era tentadora. Com dez mil, arrumava a vida. Topou na hora.

Nivaldo, estupefato, parou de rir. A bomba tinha virado presente.

Gloriane ordenou:

- Olha, cuida das crianças, faz o almoço e a janta, lava a roupa e passa, tudo direitinho. Amanhã, pego avião cedo. Arruma a mala da mamãe e não esqueça do robe. Visse?!

Esperancinha e Gloriane viajaram. Divertiram-se e gastaram. O diretor do programa ainda tentou tirar casquinha com a filha da velha e ela quase cedeu, mas segurou firme em nome do matrimônio. Primeiro domingo de novembro, não deu outra. De casa, Nivaldo via a consagração da velha. No palco, Esperança foi eleita “Bruxa Mais Bruxa do Brasil”.

Após a vitória, Esperancinha ganhou contrato com a emissora, deu entrevista, foi em programa de receita e culinária e convidada a participar do especial de natal da emissora, com cantores e artistas.

Com salário gordo, ia arrumar a vida de Gloriane. Cirurgião plástico paulista fez proposta de lipo, cirurgia de face, silicone e tudo mais. Na TV, Esperança virou estrela daquele time de terceira idade, mas sempre com cara de segunda. Foi escalada para a novela das 21 horas, se não aceitasse antes participar de um reality show. Um garotão até se atreveu a dar cantada firme na coroa.

Gloriane não terminou com Nivaldo. Mas agora, ele teria que agüentar a velha turbinada e famosa.
No Bebedouro, tinha que dar autógrafo em nome de Esperança.

Dizer que amava a sogrinha do coração.

E agradar a velha toda a vez que ela, como pop star, pisava Alagoas.