A TV bombardeava a cada 5 minutos a informação do prêmio “faraônico” de alguns mil reais perdidos que o reality show estava a oferecer. Para Deinha, era a grande chance. Magra, morena de belas curvas, realmente muito desejável e formosa, esforçada na malhação e na manutenção do patrimônio de pernas e coxas, a danada era bonita de morrer, e de viver.
Rosto perfeito, linda, extrovertida, a menina estava disposta a não perder a chance, para ela de ouro. Nas outras edições do programa, sua candidatura não prosperara. Mas desta vez, tudo seria diferente. Deinha iria para o programa, viraria artista e daqui a uns dois anos faria par romântico com galã em novela das 21 horas. Esta era sua meta.
Abertas as inscrições, corria para realizar o sonho. O primeiro passo, o vídeo com apresentação. Roupa colada no corpo, Deinha se filmou com seu celular na praça, no comércio, na praia, sempre mostrando seus dotes artísticos e “interprecionais”. No quarto, imagens e mais imagens em movimento, ai registradas pelo amigo Joca, este esperançoso por tirar uma lasquinha, sempre por ela negada, das carnes da futura estrela.
Na rua, foram falas em figurino de luxo, na praia de biquíni fio dental e quadril brilhoso a óleo, no quarto, intimidade à mostra. Tudo para montar o vídeo clipe exigido pela produção do reality show. Isso em falar no book fotográfico, item não exigido, mas que Deinha achava essencial. Afinal, tanta formosura e tanta fartura ganhariam maior relevância com fotos, muitas fotos. Quem gostou foi o Manoel Tobias, fotógrafo de casamento e batizado, que se deliciou clicando caras, bocas e contornos de Deinha em trajes mínimos, quando estes existentes.
Foram dias e dias de edição do material. O irmão de Deinha se esforçou para dar aquele toque especial nas fotos com a ajuda do computador. O vídeo, editado na medida, exibindo os melhores ângulos da morena. Envelope chamativo para a produção se impressionar e não descartar de cara o produto, frente à imensidão de cartas que a emissora recebia sempre que abertas as inscrições para o programa.
No último dia do prazo, minutos antes da agência dos Correios fechar, chegava Deinha esbaforida com a preciosa encomenda. Cola, selo, carimbo, o material era despachado para o Rio de Janeiro. Agora era torcer. A sorte estava lançada, mas Deinha sabia que nesta sei lá “quantésima” edição do reality show seus dotes artísticos e sua condição inata de celebridade não passariam despercebidos. Seria a apoteose, o nascer de uma diva.
Os dias se passavam e a resposta da emissora, para Deinha já a convocatória e os bilhetes aéreos para o Rio, nada de chegar. Enquanto isso, era melhor adiantar apetrechos para viagem. Pediu cartão emprestado, fez dívida em loja de roupa, sapato, perfume e maquiagem. Aproveitou e fez escova progressiva, limpeza de pele... quando chamada, o que não tardaria, era só embarcar e brilhar “na casa”, para o mundo. Com o prêmio, pagaria as dívidas em nome alheio, migalhas diante do muito que iria ganhar.
O dia do anúncio dos vencedores era aquele e, mesmo o telegrama não tendo chegado, Deinha estava certa da convocação. Vai ver era estratégia da emissora, para aumentar o suspense e a emoção. A família, a vizinhança, os amigos, todos estavam envolvidos na façanha da futura celebridade. Uma multidão de fãs com camiseta com foto de Deinha se espremiam na sala da casa da morenaça já que, com o anúncio de seu nome, a televisão iria chegar e o “filma eu” estava garantido. Churrasco queimando, cerveja gelada, a festa rolava nos minutos pré-anúncio. Uma celebração antecipada para a futura artista.
A abertura do reality show começara. Um a um, os nomes foram chamados, à conta gotas. Eram doze. O primeiro, um musculoso do Paraná. A segunda, uma loira enorme e carioquíssima. O terceiro, um “professor” de filosofia... e assim, sucessivamente... quatro, cinco... oito... nove... bombados e saradas, meninos e meninas, e nada de Deinha. O décimo, um pretenso “militante” do movimento gay gaúcho. A décima primeira, uma senhora com trajes diminutos e boca suja. Faltava o décimo segundo. Expectativa geral.
Na hora do anúncio. Toca a campainha. Todos vidrados na TV, sequer dão bola para o intruso em hora sem noção. O nome é chamado: o último “brother”, “sister” ou semelhante era João Neves Júnior, candidato a modelo paulistano. Urro de lamentação geral! Deinha fora injustiçada! O pai cancela a carne assando, recolhe a birita. A festa iria acabar.
Na porta, o carteiro franzino ainda aguardava. Quando todos saiam, ele ofertava a mão com uma encomenda para Deinha. Não era convocatória de última hora, já que o envelope era o mesmo postado há semanas, quase meses. Deinha não entendia e, atônita, pedia explicação. O carteiro, sem piedade, apontou o carimbo da Agência Central da Rua do Sol.
DESTINATÁRIO DESCONHECIDO.
Como assim: a empresa de Correios enlouquecera? O pessoal era demente? Fora pistolão contra Deinha? Puxaram o tapete da beldade, futura miss?
Nada disso. No campo DESTINATÁRIO estava escrito:
BIGUIBRODEBRAZIU. PROJAKE. RIU. DEINHA GRAZI DO VERGEL. TIAMU BIAU. ME ADD MSN.
Deinha era linda, formosa, estrela inata.
Mas era completamente iletrada.
Gostosíssima, contudo semi analfabeta
E nesta condição esperaria até a próxima edição do programa.