Língua presa, boina xadrez, malandragem à brasileira, Giuseppe era um “italiano incomum”. Filho de brasileiros, passou a infância nos trópicos. Achava-se doutor em esperteza!

De abestalhado, só tinha a cara. Era capaz de dar nó em vento siciliano.

Mentir era a sua especialidade. E sempre tinha respostas para as inconvenientes verdades que nunca lhe coravam as bochechas rosadas do rosto.

Suas mentiras iam desde a morte prematura do Papa, passando por sete campeonatos mundiais para a Squadra Azurra. Até chegar em suas preferidas: aquelas inverdades contadas como caminho para a perda da virgindade das mais puras donzelas da pacata Corleoni.

Perda da virgindade das “ragazzas” que era a meta número um de Giuseppe, conquistador barato, que achava sua língua presa “molto appetitosa”.

A todas elas, Giuseppe tinha uma aventura para contar, e assim lhes retirar a impureza da carne e lhes apimentar a vida mundana. Nunca se importou com as conseqüências de suas inverdades.

Se todos sabiam que ele mentia? Lógico que sim. Mas pela galhardia e pela boa criatividade do “bello ragazzo”, valia a pena perder duas ou três horas ouvindo suas lorotas. E, ao final, ser “enrolada” por seus causos fabulosos e sedutores.

Até o dia em que conheceu Gioconda, imaculada, mais de quarenta aninhos, meio madura.

E horrenda para os padrões ocidentais!

Foi na festa de carnaval de Corleoni, baile dos mascarados na terça-feira a noite, uva, vinho e vida em comemoração.

Gioconda não fazia jus ao nome. Sua face nada tinha de pintura. Rosto cheio de espinhas, muito acima do peso, óculos fundo de garrafa e mau hálito, para fechar a lista de desrazões.

Nossa, como era feia a balzaquiana!

Mesmo assim, sob o efeito do néctar de Baco, foram poucos beijos, muitas histórias e muitos, muitos apertões, sussurros e gemidos. Gioconda tornava-se mais uma vítima de Giuseppe.

Atrás do muro, às escondidas, Giuseppe amou a matrona. Sensacional! Ela era horripilante, mas melhor que passar o último de dia do carnaval sozinho, literalmente, na mão...

Quando se arrumava para deixá-la de volta no salão, calças ainda baixas e levantar de vestido em processo, Giuseppe, correndo para não ser visto em cena libidinosa como aquele ser, assustou-se ao ouvir:

“- ‘Domani’, mio papa Dom Vito vai te ‘conoscere’! ‘Matrimonio’ já em ‘marzo’!

Quem era Dom Vito? Simplesmente o chefe da máfia de Corleoni, dominante no oeste italiano.

Giuseppe iria morrer! Desvirginara a velha e solteira filha do “padrino”!

Sua única opção, casar-se com a mal-afeiçoada coroa. Uma lástima!

Na frente de Dom Vito, este incrédulo por anunciar o casamento da solteirona Gioconda, Giuseppe com sua língua presa não se cansava de repetir, entristecido, mas temente pela sua integridade física: “–Buona fortuna mia, mio padrino! Buona fortuna mia, mio padrino!”.

O casamento movimentou a pequena Corleoni. Chefes de clãs mafiosos de toda a Itália compareceram. Esquema de segurança redobrado pelos milicianos, festa com tudo do bom e do melhor.

Na hora do sim, um beijo constrangido selou a união. Gioconda, felicíssima saia do caritó. Giuseppe assumia um compromisso para toda a vida. E nada de aventuras, adeus às mentirinhas. Pular a cerca ou trair Gioconda e Dom Vito, jamais.

Noite de núpcias, era o momento de concluir o serviço mal acabado no muro, na terça-feira gorda do último carnaval. Gioconda era só pelanca em sua lingerie vermelha. Giuseppe, só de banho levou uma hora! Queria vencer a recém-esposa pelo cansaço.

Mas não teve jeito. Iria para o sacrifício. Agarrou-se à esposa e viveu uma tórrida noite de amor. Sua carreira de inverdades em busca de sexo se findara. A partir de então, viveria a realidade do casamento.

Tornar-se-ia genro de Dom Vito. Quem sabe um dia seria Dom Giuseppe. Mas, até lá, teria que muito entreter Gioconda, fazer muitos “bambinos” para o poderoso chefão e mentir só de brincadeirinha, no silêncio e na intimidade da alcova, unicamente para a poderosa chefona!