Fim de minha jornada na Itália. Pelo menos, momentaneamente. Finalizei nesta semana minha participação no congresso em Pavia, cidade italiana que dá nome à tradicional universidade na qual realizo estudos de meu doutoramento. Assisti a palestras e ouvi relatos de experiências. Nutri-me de falas internacionais no campo do direito penal, todas de grande valia em histórico de bravura e determinação.

Aqui na Itália, desde 1989, já foram realizadas 84 reformas no caderno processual. E estas reformas continuam em ebulição. Tudo dentro da legalidade, conforme prega a Constituição italiana.

Em uma Itália que não esconde o nome de seus juízes, na qual os magistrados todos possuem rostos públicos e que a ação da magistratura contra os crimes da máfia não são coletivizadas ou feita às escuras, reina a imparcialidade nos julgados. Em solo italiano não há espaço para subterfúgios ou leis de duvidosa constitucionalidade e, mesmo assim, os atentados contra juízes vivem um saudável hiato de anos.

Algumas falas as quais vivenciei em mais esta experiência internacional reforçam minha visão contrária à realidade enviesada, e ilusória, imposta por uma “justiça justiceira”. E me levam, mais uma vez, a tentar traçar um paralelo entre o combate ao crime na Itália e em Alagoas, descontadas suas dessemelhanças e resguardados o parâmetro da legalidade.

Diante deste meu pensamento, gostaria de compartilhar a experiência de ter ouvido as lições e relatos de dois expoentes na luta da Itália contra a máfia. O primeiro, Armando Spataro. O segundo, Roberto Saviano.

Armando Spataro, procurador de Milão, com a experiência de 30 anos no combate à máfia e ao terrorismo internacional foi brilhante em sua palestra, na qual tive a honra de ser ouvinte. Segundo Spataro, os juízes não são aqueles que procuram na moral comum o apoio de suas condutas. São sim os que buscam o amparo da lei para que esta possa proteger a todos, imparcialmente.

Spataro é exemplo maior de luta contra a máfia italiana contra a Camorra, a Cosa Nostra e ‘Ndrangheta. Do alto de sua hombridade, ele nos fala da esperança de ver a justiça triunfar sobre o crime, mas sem produzir a espetacularização midiática que encontra abrigo fácil para punição de inocentes aos olhos de uma platéia que não mais questiona os acertos e os erros inerentes, possíveis em qualquer processo.

Roberto Saviano é um jovem jornalista italiano, autor do clássico “Gomorra”, livro referencial sobre a máfia Camorra e suas perversas formas de atuação. Em sua palestra, mais de 600 pessoas se “espremeram” a fim de vê-lo e ouvi-lo, tamanha a sua notoriedade. Inclusive eu, admirador que sou de seu texto e sua bravura.

Saviano vive feito nômade, ameaçado que é até hoje pela Camorra. Todos foram revistados antes da entrada no recinto em que ele falaria, fato indispensável e requisito de segurança necessário à sua sobrevivência. Imagens ou gravações foram terminantemente proibidas.

Este jornalista, de formação em filosofia, traçou um retrato contundente da máfia, de suas ramificações e de como ela é nociva à sociedade. Defendeu a punição dos culpados, mas argumentou em prol, sobretudo, do imperioso senso de justiça que deve prevalecer nestes julgamentos. Se os criminosos realmente assim o são, e se condenados forem, que paguem suas penas dentro da lei.

Com a vida em risco iminente e vivendo quase em clandestinidade em virtude de sua coragem, Saviano nos indica que a pena a ser imposta aos bandidos italianos não pode ser a mesma pena igualmente clandestina, e por isso fora da lei, a ele imposta. Ou seja, se a máfia é cruel e inescrupulosa, cabe-nos efetivar o combate a ela por meio da defesa da dignidade humana e da legalidade plena.

Spataro e Saviano, cada um a sua maneira, mostraram que um dos vetores da punibilidade é a transparência no ato de julgar, de condenar, ou de inocentar. O primeiro, não teve medo de apontar os supostos bandidos perante a justiça. O segundo, não se curvou e registrou à opinião pública as vísceras das organizações criminosas. Nenhum precisou da moral vedete da plateia ávida pelo escárnio e pela condenação antecipada.

Certamente, uma bela lição italiana estes homens nos legam. Queiramos nós em Alagoas, de forma correta, transpor este aprendizado, corrigindo aberrações.

Quinta-feira estou de volta trazendo na mala o repertório inesgotável do aprendizado vivido.