Mais uma eleição. E o domingo sublime para a cidadania e a democracia finalmente chegara. Especialmente para Tião, um “bebedor” inveterado que amava o período eleitoral.
Não em razão de ideologias partidárias ou filosofias sobre questões maiores. Amava as campanhas e o dia 3 em virtude da oportunidade de tomar pileques homéricos nas contas e por conta dos candidatos, que neste período sempre pareciam todos “muito generosos e amigos” de todo mundo.
Até de Tião, um desempregado beberrão e gente boa, que nas eleições se tornava um típico “facadista”, destes que não pode ver político que pede o dinheirinho do ônibus, do cigarro, do leitinho ou, naturalmente, da cachaça.
Em cada comício, caminhada, corpo a corpo, lá estava o Tião dando suas “facadas” em prol da aguardente. Eram 5, 10, 20 reais. Não importava o valor em verdade e espécie, e sim simbólico da “mordida” no candidato, rumo ao futuro próximo gole e à satisfação e prazer da “furada” certeira.
A meta do moço era não gastar nada do pouco que já tinha nos 3 meses de disputa eleitoral e beber “na faixa”, "0800", em nome de partidos, coligações e candidatos. E também somar para o “grande dia”.
Afinal, dia 3 era o fim de um ciclo, logo convidativo a uma comemoração especial. E sua mãe, a santa Dona Adalgiza, aposentada, agradecia o alívio no bolso, corrompido pelas baixas causadas pelo vício do marmanjo.
Além de passar toda a campanha “luxando” com as “gorjetas” e “afagos” extraídos com insistência dos postulantes ao Executivo e ao Legislativo, Tião já havia feito sua reserva, comprando várias garrafas de pinga de primeira linha, todas estocadas por ordem alfabética para o consumo no domingo, dia do voto.
Seria consumo para a abertura das urnas até o fechamento dos portões às 17 horas. E para acompanhar a apuração pelo rádio e prosseguir bebendo até ele mesmo, em pessoa, chegar à festa da vitória de qualquer um dos vencedores. Afinal, a festa era a última oportunidade de tomar uma por conta do eleito.
Lei seca? Qual o quê! Dia 3 de outubro, o estoque de Tião estava garantido. Se nenhum bar poderia mais servir a “marvada”, tudo em nome da “democrática” lei e da sobriedade do pleito eleitoral, ele montava sua estratégia de campanha. E se era festa da escolha livre do povo, Tião tinha a obrigação de beber. Ou será que alguém via motivo melhor do que aquele para “bebemorar”?
“– Festa sem cachaça? Nem no céu”, dizia Tião! Isto já no amanhecer do domingo, quando sem mais delongas nosso herói iniciou sua comemoração secando um litro da mais pura caninha feita no alambique do cumpadre Zuza.
Dava a largada, naquele momento, à “calibragem” para a votação.
Eram 10 da manhã quando resolveu se aprontar para cumprir seu dever cívico. Título na mão, carteira de trabalho na outra. Carteira, aliás, com registro de última anotação com mais de 15 anos, datado de quando saiu do trabalho de cobrador de ônibus para comemorar o último título brasileiro do “Fogão”, seu time de fígado e coração. Nunca mais voltara ao batente.
Tratava-se de promessa: só voltaria a trabalhar, ou pararia solenemente de beber, quando o Botafogo fosse campeão brasileiro de novo. “– Era mais fácil ter prometido a paz no Oriente Médio”, resmungava seu Zezé, o dono do bar preferido de Tião, que já acumulava um “prego” de R$200,00 só em birita!
Pois bem, era hora de votar. Com a “cola”, os números e nomes dos candidatos e respectivos partidos anotados, agarrado com a garrafa, Tião cambaleou até seu local de votação, no CEPA. No caminho fez “boca de ponche de urna”, deu tapa no vento, fez o “V” da vitória para tudo quanto é foto de santinho espalhado pela cidade.
Quase caiu da passarela da Fernandes Lima, gritou de lá de cima: “ – é 12, é 14, é 45, é 13, é 11 e é 50”, é tudo não mais sei quantas vezes.
E, como Quincas Berro D’Água, a cada passo, dava uma talagada.
Ao chegar ao colégio onde votava avistou uma fila enorme. E aí começou então a fazer uma zuada incrível. Acabou sendo “prestigiado” pelos demais eleitores que lhe cederam um a um a sua vez, por conta de duas razões óbvias: os berros de ébrio estridente e o bafo inimaginável do bebum inveterado, os quais já tomavam conta de toda o Princesa Isabel.
Ao ser apresentado à urna começou em alto e bom som a entoar o número de seus candidatos com as respectivas siglas dos partidos. E foi um salada de PV, PRTB, PCO, PTB, PDC, PSDB, PT, PSOL, DEM, entre outros, e por fim um urro: “PQP”, ao qual ele mesmo emendou, “nesse aqui voto não”.
Ao final tinha trocado todos os seus votos: no lugar do presidente votou no governador oposicionista, para senador acabou votando no número do SAMU e da Polícia Militar. E assim por diante!
E cadê a foto do Tiririca? Nada da foto aparecer! “ – Que fuleiragem é essa. Esta urna tá fraudada. Cadê a foto do Túlio Maravilha. Deve ser armação daquele Eurico Miranda!”, disparou!
E entre inúmeras outras ilusões eleitorais perdidas, foi tanto aperto no CORRIGE que a urna não agüentou. Após mais de 20 minutos na “casinha” de votação, tumulto na zona eleitoral e a urna travada pelo aperreio de Tião.
E chama a Polícia para tirar o bebum da cabine, já que até urinar lá ele urinou. O sargento, com pena do rapaz, nem para a delegacia o levou.
A tarde toda, Tião livre do xadrez e já tendo cumprido seu dever cívico, danou-se a molhar a garganta. Ao fim das eleições, eleito conhecido e divulgado, danou-se Tião para o comitê! Era hora da festa!
Lá, abraços apertados, tapinha nas costas, choros emocionados e fotografias, com nosso herói tentando acompanhar em coro as palavras de ordem das claques eufóricas.
Bandeira na mão, cachaça na outra, entoava o hino do Brasil com intermitentes gritos etílicos de Viva o Brasil! Viva Alagoas!
O candidato, suado e com sorriso no rosto, deu um forte abraço naquele bêbado do dia inteiro. Mas Tião queria mais. Puxou a cabeça do deputado eleito junto da sua, deu um beijo no eleito e, baixinho, sussurrou: “– Vai dar os 10 da cervejinha de amanhã, vai não?”.
Constrangido mas sem querer discutir e feliz pela vitória, o deputado recém eleito levava sua primeira “facada” antes mesmo da posse. Ali mesmo abriu a carteira. Só tinha uma verdinha, de 100 reais. Ele olhou para o Tião, que olhou para a carteira para depois gritar: “– Valeu líder!!!!”.
O jeito foi tirar os 100 reais e dar ao bebum. Que mais entusiasmado ainda ficou. Ia agora terminar o dia de birita na festa do político, tudo de graça do bom e do melhor, e como bom “facadista” em prol da cana futura já tinha como se bancar até o segundo turno com os 100 reais recém “furados”.
Afinal, dois candidatos ao governo ainda havia para ele livrar o bolso da mãe.

Welton Roberto