Em comentário no blogue do meu amigo Yuri Brandão, escrevi que estava em dúvida sobre a aplicabilidade ou não da Lei Complementar 135/2010 para aqueles que já tinham sido condenados antes da sua entrada em vigor, nos termos da lei. Na ocasião, escrevi o que seriam duas posições possíveis:

“A princípio, pode-se dizer que não se trata de retroatividade a interpretação de que ela [a lei] vale para quem já foi condenado, e não só para quem for condenado a partir da vigência dela. Afinal, se a situação jurídica “estar condenado” é atual, o sujeito já está em condições de ser alcançado pela lei no momento em que ele for registrar sua candidatura. É aí que veremos a incidência da lei. Assim, quando ele solicitar registro, veremos que não satisfaz uma das condições, pois é um “condenado”. Isso é diferente daquele que, por exemplo, já está no poder, ou já teve seu registro de candidatura (o que não é o caso), ser alcançado pela lei. Aí sim seria retroagir. Por isso não poderíamos tirar do poder o “ficha-suja” hoje, dada a irretroatividade. Por outro lado, tecnicamente falando, a lei só retroage quando atinge uma situação jurídica já consolidada, um “ato jurídico perfeito ou direito adquirido”. Alguém poderia dizer daquele que está condenado que ele tem “direito adquirido” a todos os efeitos da condenação, pois ela é “ato jurídico perfeito”. Não estava previsto, no momento em que foi condenado, que ele ficaria inelegível! A lei, nesse sentido, estaria retroagindo sim”.

Parti, então, do pressuposto de que a inelegibilidade poderia não ser encarada como pena ou sanção, mas como uma mera limitação à obtenção de uma capacidade. Isso, todavia, é muito difícil de sustentar. Adriano Soares, advogado e conhecedor do Direito Eleitoral, em entrevista concedida ao Professor Yuri, referiu-se ao meu primeiro argumento assim:

“Primeiro, há um erro comum nessa discussão sobre a lei complementar 135, como, me permita, esse do professor Adrualdo Catão, por você relatado acima: parte-se de um debate em tese, sem olhar o texto da lei. A interpretação jurídica parte de um dado, que é o texto legal posto. O que diz a lei? Que a decisão criminal colegiada em determinados crimes (na verdade, a lei faz um passeio no código penal) gera a inelegibilidade desde a condenação até 8 anos depois do cumprimento da pena”.

Ele defende a interpretação da lei como uma norma penal:

“Por isso afirmei que a questão esboçada acima (a do professor Catão, embora, conforme frisado por você, ele ainda não tenha opinião totalmente formada) é em tese, não parte, portanto, das normas da lei complementar 135 (a lei “Ficha Limpa”). Ela não prescreve a inelegibilidade para o “estado de condenado”, mas sim anexa a sanção de inelegibilidade, que é a pena acessória, à sentença penal condenatória, sem trânsito em julgado (ferindo, pois, a Constituição). Poderia colar esse efeito ao ato jurídico (sentença) anterior à sua vigência? Ora, sendo penal a norma, seria retroagir uma pena acessória, violando os direitos fundamentais assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

Adriano está certo. A norma é penal e é absurdo pensar que tornar alguém inelegível não é uma penalidade. Mas eu acho que o erro do argumento inicial não foi o de tratar a questão apenas “em tese”. O argumento por mim utilizado tentava, de propósito, fugir da questão penal, num exercício de retórica que se mostrou complicado. Deixar de lado a questão penal foi uma forma de tentar dar uma de “advogado do diabo” no debate com o Professor Yuri.

Mas eu penso que, na verdade, o erro estaria em acreditar que, deixando de lado a questão penal, seria possível encontrar uma justificativa para a aplicação da lei aos já condenados. Não é bem assim.
Seja a lei interpretada como prescrevendo a inelegibilidade para o “estado de condenado” ou como anexando uma pena acessória, o fato é que ela não poderia atingir as condenações anteriores a sua vigência de jeito nenhum.

Isso ocorre porque o “estado de condenado” já é eficácia de um fato jurídico anterior (a condenação). Modificar essa eficácia seria atentar contra a proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, no mínimo. Se houver trânsito em julgado nem se fale! E modificar essa eficácia pela aplicação de uma restrição como a inelegibilidade, seria fazer retroagir a lei. Assim, desconsiderar o caráter penal não permite aplicar a lei aos que foram condenados antes de sua vigência.

Trata-se, de qualquer maneira, de um atentado à segurança jurídica, mesmo quando desconsideramos a questão penal. A tese mais plausível é a de que a lei não poderia ser aplicada aos casos daqueles que já estão condenados, até porque, nem isso está previsto expressamente. E mesmo que estivesse, seria violar direito adquirido.

Ademais, havendo coragem de pleitear a inconstitucionalidade no STF, há grande chance de a ação prosperar. É que, mesmo com a interpretação sobre a irretroatividade, que restringiria o alcance da lei, ainda assim ela está criando uma restrição grave para quem ainda não foi condenado em definitivo, o que ofende o princípio da presunção de inocência. Como fica a situação do sujeito que seja absolvido pelos tribunais superiores? Ficou inelegível, apesar de inocente?

Definitivamente, alinho-me aos bons. Não precisamos de uma lei justiceira.